A crise que Chávez criou 10/05/2009
- O Estado de S.Paulo
Com a ocupação - a primeira de uma série que deverá chegar a mais de 60 empresas - das instalações da empresa americana Williams por tropas do Exército e a transferência de seu controle para a Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA), o presidente venezuelano Hugo Chávez junta a truculência política às más práticas financeiras - pois a estatal deve US$ 241 milhões só àquela empresa que agora controla. Chávez fez a Assembleia Nacional aprovar em tempo recorde a lei que lhe permite expropriar empresas prestadoras de serviços do setor petrolífero - com muitas das quais a PDVSA acumula pesadas dívidas - e ordenou a sua imediata ocupação, para, como disse na tentativa de cativar o eleitorado venezuelano, "recuperar ativos que passam a ser de propriedade social, como sempre deveriam ter sido". O caudilho liderou pessoalmente a ocupação das empresas que operam no Lago de Maracaibo, anunciando que "hoje foram libertados mais de 8 mil homens da exploração capitalista".
A medida, disse Chávez, é mais um passo na "transição do capitalismo para o socialismo". Mas o fato é que o caudilho bolivariano tenta remendar um problema econômico que ele mesmo criou com sua ambição desmedida e sua megalomania: a insolvência da PDVSA, que responde por quase metade das receitas do governo e por mais de 90% dos dólares que entram no país.
Transformada em principal fonte de recursos da política chavista, acossada pela queda da cotação do petróleo e com sua produção reduzida por falta de investimentos, a PDVSA não vem pagando o que deve às empresas que lhe prestam serviços. Suas demonstrações financeiras são publicadas com grande atraso, mas calcula-se que, em setembro de 2008, ela devia US$ 7,8 bilhões às prestadoras de serviços e a outros fornecedores. Como não honrou vários compromissos vencidos desde então, estima-se que a dívida seja hoje de US$ 11 bilhões. Descrentes da possibilidade de um dia receber o que a estatal lhes deve, vários credores da PDVSA já lançaram o valor correspondente como prejuízo.
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São companhias como essas que Chávez agora começa a expropriar, retirando delas também o direito de defender-se em tribunais fora da Venezuela. Pela lei chavista, as demandas jurídicas terão de ser necessariamente apresentadas aos tribunais venezuelanos.
Há tempos, o ministro de Energia de Chávez, Rafael Ramírez, que acumula o cargo de presidente da PDVSA, vinha acusando as prestadoras de serviços de apresentarem à estatal faturas com valores baseados nos altos preços alcançados pelo petróleo em meados do ano passado. Ao contrário do que imagina o ministro, porém, o preço dos serviços não é determinado pelo preço do petróleo, e sim pelos custos envolvidos, aos quais as empresas acrescentam o retorno do capital. Mesmo assim, Ramírez exigia descontos de no mínimo 40%.
A origem da crise fiscal, porém, não está nas prestadoras de serviços. Sua origem é a política chavista e o mau uso que ela faz da PDVSA. Beneficiada nos últimos anos pela alta do petróleo, a PDVSA foi amplamente utilizada por Chávez como o grande financiador de suas políticas sociais destinadas a lhe assegurar prestígio popular. Por meio de empresas controladas, a PDVSA vende alimentos subsidiados à população, comercializa eletrodomésticos também a preços inferiores aos praticados pelos estabelecimentos privados, constrói casas populares, mantém programas de alfabetização de adultos, subsidia o consumo interno de gasolina e até mantém consultórios médicos.
Para sustentar o populismo de Chávez, a empresa teve de reduzir os investimentos na prospecção e produção de petróleo, e agora o país paga por isso. A Opep informou que a produção venezuelana de petróleo em março foi de 2,123 milhões de barris por dia, cerca de 900 mil barris menos do que a produção anunciada pela PDVSA. Já o governo americano informou que as exportações venezuelanas para os Estados Unidos, o principal mercado da PDVSA, alcançaram 1,139 milhão de barris por dia em fevereiro, 35% menos do que as exportações de 1999.
A crise chegou ao setor financeiro. O Banco Venezuelano de Crédito e o Bolívar Banco suspenderam o uso de cartões de crédito no exterior, porque não recebem do órgão governamental que controla o fluxo de divisas, a Cadivi, os dólares para pagar as despesas feitas pelos venezuelanos fora do país.