Uma data que não pode ser esquecida 09/07/2009
- Luiz Gonzaga Bertelli*
O 9 de Julho evoca os acontecimentos que mobilizaram os paulistas em 1932, em torno de uma causa nobre: a constitucionalização do País. Mas poucos sabem, hoje, o que significou esse movimento para os que o vivenciaram de perto, nas frentes de combate ou na retaguarda. Nas primeiras décadas republicanas, predominava a famosa "política do café com leite", com paulistas e mineiros se revezando no poder central, simbolizados pela força de sua atividade econômica principal. As demais unidades da Federação ficavam, em geral, com a vice-presidência da República.
O governo do presidente Washington Luís, iniciado em 1926, não foi tranquilo. A crise mundial de 1929 atingia em cheio o alicerce da economia, assentada na monocultura cafeeira, provocando índices alarmantes de desemprego. E na política ele provocou forte reação ao indicar Júlio Prestes, governador paulista, como candidato à sua sucessão. Afinal, dentro do acordo tácito da "política do café com leite", seria a vez de Antônio Carlos de Andrada, governador de Minas Gerais. Este, inconformado, lançou a candidatura do governador gaúcho, Getúlio Vargas, para presidente, tendo como vice o governador da Paraíba, João Pessoa. Em março de 1930, as eleições deram a vitória ao paulista, mas foram contestadas por Vargas em violento manifesto. O assassinato de João Pessoa, em julho, agravou a crise e deu origem ao movimento militar que culminou com a deposição de Washington Luís.
Levado pela Revolução de 30 à chefia do governo provisório, Vargas quebrou a promessa de realização de eleições e edição de uma nova Carta Constitucional. Ao contrário, suspendeu a Constituição, dissolveu o Congresso, substituiu todos os governadores e prefeitos. A insatisfação dos paulistas crescia, até que em 17 de fevereiro foi criada a Frente Única, união de todos os partidos para lutar "pela autonomia de São Paulo e pela constitucionalização do Brasil". As atividades conspiratórias não tardaram a ocorrer e se organizou uma comissão, com militares e civis, para planejar a luta armada, vista agora como única solução possível.
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A vinda a São Paulo do ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha, serviu de pretexto para uma série de manifestações contra o governo Vargas. Em 22 de maio, pequenos comícios realizados em vários pontos da cidade assumiam tom cada vez mais inflamado. O clima de revolta continuou no dia seguinte e houve vários choques, num ambiente de verdadeira guerra civil. Revoltosos atacaram sedes de jornais favoráveis a Vargas e, ao tentarem depredar a sede do Partido Popular Paulista, na Rua Barão de Itapetininga, foram recebidos a tiros. As primeiras vítimas tombaram na Praça da República: Mário Martins de Almeida, Euclides Bueno Miragaia e Antônio Américo de Camargo Andrade. Gravemente ferido, Dráusio Marcondes de Sousa, de 14 anos, viria a falecer em 27 de maio. A partir daí, o movimento ganhou o nome de MMDC, sigla formada com as iniciais de Miragaia, Martins, Dráusio e Camargo.
A perspectiva de levante armado levou o MMDC a reunir voluntários. Era preciso formar pelotões, prepará-los, angariar recursos, produzir fardas, distribuir armas e munições, além de mobilizar a população por meio de propaganda. Os acontecimentos foram precipitados por um pronunciamento feito pelo general Bertoldo Klinger, comandante das tropas federais em Mato Grosso e forte aliado dos paulistas, em protesto contra a nomeação do ministro da Guerra, general Augusto Inácio do Espírito Santo Cardoso. Na noite de 9 de julho, sob o comando do general Isidoro Dias Lopes e do coronel Euclides Figueiredo, chefes do Estado-Maior Revolucionário, eclodiu a Revolução Paulista. Militares da Força Pública e das guarnições do Exército sediadas no Estado juntaram-se aos batalhões de voluntários arregimentados pelo MMDC para pôr em prática o plano estabelecido: com soldados vindos do Rio Grande do Sul, de Mato Grosso e de Minas Gerais, que então se posicionavam como aliados dos paulistas, avançariam até o Rio de Janeiro para depor Vargas, formar um governo provisório, convocar eleições presidenciais e promulgar nova Constituição.
Mas as tropas paulistas tiveram de lutar sozinhas em várias frentes, sobretudo nas divisas de São Paulo com o Rio e Minas, pois as promessas de ajuda não se cumpriram. Apoiados por uma retaguarda admirável de voluntários de todas as idades e classes sociais, os paulistas resistiram durante três meses em condições de absoluta desigualdade: contavam apenas com 7 aviões e 44 canhões contra os 24 aviões e 250 canhões das forças de Vargas. Com a notícia de que a Força Pública havia assinado a rendição em 2 de outubro, não tinham mais condições de sustentar a luta e as últimas trincheiras foram abandonadas.
Os livros de História costumam dizer que, apesar de derrotados militarmente, os paulistas saíram vitoriosos em 32, pois o Brasil ganharia uma Constituição em 1934. É difícil avaliar o passado nesses termos. O saldo do movimento computou 830 mortos em combate e 104 exilados, além dos encarcerados no presídio da Ilha Anchieta. A luta foi, portanto, das mais cruentas e fica difícil reconhecer nela algo positivo. Mais do que a Constituição - de vida tão efêmera, pois enterrada com o golpe do Estado Novo, em 1937 -, talvez fosse mais apropriado evocar o tipo inédito de mobilização que São Paulo conheceu, mandando cerca de 120 mil homens para o front. Além disso, civis, militares, crianças, velhos, mulheres, índios, comerciantes, professores, grandes industriais, todos se puseram a serviço da causa; as fábricas não paravam de trabalhar, pois era preciso produzir munições, armas, carros blindados, fardas, alimentos; e a intensa propaganda pelo rádio mantinha elevadíssimo o ânimo da população de todo o Estado, que se despojou de alianças e outras joias para cobrir as despesas de guerra. Foi, acima de tudo, um exemplo ímpar e memorável de união e de força, que talvez não mais se reproduza entre nós.
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*Luiz Gonzaga Bertelli é presidente executivo do CIEE e da Academia Paulista de História