Mestrado profissional - choveu no molhado 10/07/2009
- José Roberto Cardoso*
O presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o ministro da Educação lançaram no dia 23 de junho, em Brasília, novas diretrizes para o mestrado profissional, visando a incentivar a criação de novos programas. O objetivo é reduzir as exigências para acelerar o processo de formação de doutores, a fim de atingir o índice de 16 mil doutores por ano (formamos atualmente algo em torno de 10 mil).
Na nossa opinião, como se diz em conversa de boteco, choveu no molhado. As medidas que foram apresentadas facilitarão o credenciamento e a avaliação dos cursos, mas não tocarão o mais importante ponto, que é a "autossustentabilidade".
Para quem não sabe, os mestrados profissionais não recebem apoio das agências para suas pesquisas, das quais se espera devam estar vinculadas a desenvolvimentos atrelados ao setor produtivo, que seria então o agente financiador dessa pós-graduação. Não é isso, no entanto, que ocorre em nosso país, pois o investimento em pesquisa da maioria das indústrias brasileiras é um conto de fadas.
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Na sua origem, os mestrados profissionais foram concebidos para atuar numa área bem definida da tecnologia, isto é, devem ser especializados, com conteúdos programáticos bem focados e planos de pesquisa aderentes a propostas que envolvam, com raras exceções, uma única linha de pesquisa. Assim, apareceram o mestrado profissional em Engenharia Automobilística da Escola Politécnica da USP e os mestrados profissionais do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) nas áreas de Tecnologia da Informação e Habitação, entre outros.
Enquanto o mestrado profissional do IPT evoluiu com altas taxas de crescimento, não só devido ao justo valor da marca IPT, mas também à competência dos seus professores, os mestrados profissionais das universidades públicas definharam. É claro que não se pode atribuir falta de competência a esse insucesso, pois o corpo docente desses programas é constituído por pesquisadores qualificados, pertencentes aos quadros das universidades. Esse corpo docente é ainda responsável pela produção científica dos programas de pós-graduação acadêmicos.
O ponto de toque do insucesso foi a "autossustentabilidade". Para se ter uma ideia da aplicação desse termo ao mestrado profissional na USP, destacam-se a inexistência de bolsas de estudos para seus alunos, de taxa de bancada e de programas de financiamento à pesquisa das agências; e a não-atribuição da carga horária do docente dedicada ao programa, dentre outras dificuldades. O aluno do mestrado profissional era tratado como um organismo estranho a toda a estrutura universitária. Note-se que o tratamento está no passado, pois não se credenciam novos programas de mestrado profissional na USP há tempos.
Além da dificuldade apontada, o mestrado profissional foi marcado pela mácula do ensino pago, como se fosse possível praticar essa modalidade, com todos os requisitos impostos, sem cobrar anuidade dos participantes. Assim, para conseguirem sobreviver, os mestrados profissionais da USP precisaram buscar apoio nas grandes corporações, interessadas em dar uma formação qualificada a seus colaboradores, mas mesmo assim a coisa não funcionou, pois as exigências eram tantas que quando os coordenadores aprendiam a responder aos questionamentos da Pró-Reitoria de Pós-Graduação, esta mudava as perguntas.
Agora o governo federal acena com mudanças, algumas facilitadoras, que poderão dar resultados substanciais no tocante ao aumento do número de matrículas. A não-exigência do título de doutor para o professor do programa é uma delas, que permitirá agregar ao quadro profissionais competentes, com experiência profissional diferenciada. E outras, polêmicas, como a transformação dos cursos de especialização em mestrados profissionais.
Quanto à primeira, as universidades públicas não têm como contratar esse profissional, apesar de identificá-lo facilmente no mercado. Com relação à segunda, questiona-se como ficará o egresso dos cursos de especialização. Poderá ele conseguir equivalências de títulos no futuro? Por fim, em nenhum momento da matéria foi tocada a eliminação da "autossustentabilidade", ponto-chave do mestrado profissional, de modo que a universidade pública continuará excluída desse processo.
Esperava-se mais ousadia da principal agência reguladora da pós-graduação do País nessa questão. Por que não conceder bolsas de estudos a alunos dessa modalidade? Há estudantes que prefeririam cursá-la em vez do mestrado acadêmico, pois assim teriam a possibilidade de realizar um trabalho de pesquisa aplicada voltado para o mercado, e não para a academia; mais ainda, há professores, sobretudo das áreas tecnológicas, que prefeririam atuar nesse programa, pois assim teriam a possibilidade de se aproximar do mercado, apresentando suas ideias, e mudar o eixo de sua produção científica, que seria voltada mais para o produto ou processo do que para o paper. Com certeza, se estendermos ao mestrado profissional o mesmo tratamento dado ao mestrado acadêmico, com a possibilidade de captação de recursos adicionais no setor produtivo para projetos específicos, criar-se-ia um novo paradigma de pós-graduação, cujo objetivo principal poderá ser a prática intensa da inovação e do empreendedorismo, que tanto falta faz na pós-graduação acadêmica.
Assim sendo, as facilidades anunciadas pela Capes e pelo MEC poderão ajudar a aumentar, como esperado, o número de estudantes dessa modalidade, mas apenas as instituições de ensino superior privadas serão beneficiadas, pois nas universidades públicas nada mudará. E o correspondente acréscimo do número de doutores formados anualmente poderá não ser observado, pois o agente principal de formação de recursos humanos no seu mais alto grau, que é a universidade pública, estará alijado do processo.
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*José Roberto Cardoso é vice-diretor da Escola Politécnica da USP