Da crise ao caos no Senado 15/07/2009
- O Estado de S.Paulo
Em um intervalo da reunião do Gabinete do presidente Lula, na segunda-feira, o coordenador político do Planalto, ministro José Múcio Monteiro, transmitiu à imprensa o que seria o diagnóstico do governo sobre a crise do Senado - "instalada, mas em processo de superação". Era o que lhe competia propagar e é nesse desfecho que Lula investe os seus recursos de mando, quanto mais não seja porque ele se atrelou para o que der e vier ao seu parceiro José Sarney, o sitiado presidente de uma Casa em processo de desagregação. Lula decerto aposta que a sua popularidade o autoriza a assumir a irrestrita defesa de uma figura que hoje em dia encarna como ninguém o vicioso poder oligárquico na política nacional e, nessa condição, é alvo de denúncias devastadoras que ecoam amplamente na opinião pública.
Ainda na reunião ministerial, Lula exortou a sua equipe a cerrar fileiras em torno de quem ele é devedor por serviços prestados no transe do mensalão e com quem conta para unir o PMDB à candidatura Dilma Rousseff no próximo ano. "É importante ser leal a Sarney", comandou, "porque há uma campanha pesada contra ele e não se pode individualizar as acusações." Estas palavras abrigam uma falsidade e um despropósito - até aí nenhuma novidade, considerando o repertório do autor, embora a contumácia apenas acentue o seu cinismo. O que ele quer que se considere campanha nada mais é que uma sequência pesada, sem dúvida, mas de fatos objetivos que a imprensa desentranhou e que só agravaram a situação do seu protagonista nas raras vezes em que tentou contestá-los.
Em uma incursão pela quase-lógica, o presidente se queixa de que o seu aliado teria sido escolhido para pagar pelos escândalos no Senado. Não seria justo cobrar de Lula conhecimentos de filosofia do direito, mas a inexistência de culpas coletivas é princípio elementar de Justiça. Quantos tenham sido os senadores envolvidos com as malfeitorias expostas, cada qual será individualmente responsável pela parte que lhe tocou na esbórnia continuada - na implausível hipótese de que sejam chamados a pagar por ela. De resto, desabou sobre Sarney um problema que não guarda relação direta com os seus três mandatos de presidente da instituição e sua preeminência entre os seus pares, como as nomeações de parentes e apaniguados, uso de servidores para fins particulares e recebimento indevido de auxílio-moradia.
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É a mentira que proferiu em plenário para negar a sua responsabilidade estatutária pelas decisões da fundação que leva o seu nome e da qual foram desviados R$ 500 mil do R$ 1,3 milhão obtido da Petrobrás a título de patrocínio cultural. Para tirar do foco a conduta que configura inequívoca quebra de decoro parlamentar - em 2000, o senador Luiz Estevão (PMDB-DF) foi cassado porque mentiu no caso do Fórum Trabalhista de São Paulo -, Sarney resolveu transformar o seu desastre pessoal numa catástrofe administrativa para o Senado. De supetão e à revelia da Mesa, anunciou demagogicamente a anulação de todos os 663 atos secretos assinados desde 1995 pelo então diretor-geral Agaciel Maia, seu apadrinhado, para criar cargos, nomear, demitir, contratar, engordar salários e distribuir mordomias.
Uma semana depois que este jornal revelou a maracutaia, Sarney declarou, sem enrubescer: "Eu não sei o que é ato secreto. Aqui, ninguém sabe o que é. Isso não existe." Daí a três dias, pressionado por um grupo de colegas, designou uma comissão para apurar quantos foram os atos e fazer uma triagem daqueles que fossem passíveis de anulação sem criar problemas jurídicos ainda piores. Agora, passou por cima da comissão, numa demonstração de poder que seria patética se não acrescentasse à crise moral e política da Casa um componente capaz de levá-la ao caos. Todos os funcionários nomeados em segredo, por exemplo, serão exonerados a partir da publicação da medida, assegurou Sarney. Logicamente, os servidores demitidos da mesma forma teriam de ser chamados de volta e fariam jus a salários retroativos - uma situação kafkiana.
O ato ostensivo de Sarney, na véspera da instalação do Conselho de Ética onde já foram protocoladas duas representações contra ele, foi classificado como "atitude política". De fato, a política nacional está rebaixada a lances dessa categoria e ao tipo de argumento que Lula usa para justificar a mobilização do governo em favor daquele de quem diz não ser "uma pessoa comum".