Coisa de Hugo Chávez 20/08/2009
- David Fleischer*
No dia 30 de julho, o presidente do Tribunal de Justiça do DF, desembargador Dácio Vieira, emitiu liminar estabelecendo a censura prévia em cima do jornal O Estado de S. Paulo, vedando qualquer publicação sobre o sr. Fernando Sarney vis-à-vis acusações em relação à Operação Boi Barrica da Polícia Federal na qual o sr. Fernando foi indiciado no dia 15 de julho.
Há muito tempo, a censura prévia de jornais no Brasil caiu em "desuso", sendo que em geral o Judiciário (principalmente em nível federal) considera que esse tipo de ação é inconstitucional e descabido no Brasil democrático regido pela Constituição de 1988. Na interpretação mais geral, pensa-se que isso é "coisa de Hugo Chávez".
Essa decisão do desembargador Dácio Vieira suscitou questionamentos sobre seu passado e suas relações com a família Sarney. Tendo sido funcionário comissionado no Senado antes de ser nomeado para o TJ-DF pelo então governador Joaquim Roriz (PMDB), Vieira manteve fortes relações com o senador Sarney, como constou na foto no casamento da filha do ex-diretor-geral do Senado Agaciel Maia, onde Sarney e Vieira eram padrinhos da noiva.
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Por essas e outras razões, muitos juristas e juízes acharam que essas relações com a família Sarney comprometeram Dácio Vieira e o desqualificaram para deliberar esse caso. O desembargador Vieira despachou esse caso exatamente no último dia do recesso do TJ-DF como presidente desse tribunal.
Depois de ter seus pedidos recusados por tribunais de primeira instância no Maranhão, em São Paulo e Brasília, Fernando Sarney procurou apoio com Dácio Vieira em Brasília.
De tão absurda tenha sido essa decisão, que o presidente do STF, Gilmar Mendes, cobrou "celeridade" do TJ-DF em relação a esse caso. Vários outros juízes do STF e STJ emitiram opiniões semelhantes. Várias associações também reclamaram a "parcialidade" dessa decisão como um atentado contra a liberdade de expressão - ABI, OAB, ANJ, Fenaj, AMB, entre outras.
No dia 17 de agosto, o senador Sarney subiu à tribuna do Senado para castigar O Estado de S. Paulo por ter divulgado o fato de sua família ocupar imóveis em São Paulo de uma empreiteira. Sarney chamou o jornal de "nazista", mas não explicou como e por que esses imóveis ainda estavam registrados em nome da empresa Holdenn - que participa de licitações na área de energia elétrica, setor em que a família Sarney ainda detém muita "influência".
Esse caso demonstra como a liberdade e a democracia plena ainda são coisas muito distantes no Brasil. E como uma poderosa família política, com raízes ainda nos anos 1950, tem tentáculos e influência suficiente para impor a censura prévia em cima de um jornal de circulação nacional por achar que a cobertura dos "negócios" dessa família invadisse seu "seio íntimo".
* David Fleischer é professor de ciência política na UnB e membro do conselho diretor da Transparência Brasil