Trem da indecência 31/08/2009
- O Estado de S.Paulo
"Da alegria" não, pois esse trem fisiológico-eleitoreiro é mais uma tristeza para a sociedade brasileira e melhor seria chamá-lo logo de trem da indecência.
Na madrugada de quinta para sexta-feira, a Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou a emenda à Constituição, conhecida como PEC dos Vereadores, que aumenta em mais de 7 mil o número de vereadores do País.
Como se recorda, houve idas e vindas desse projeto nas Casas Legislativas.
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Originalmente, essa emenda previa o aumento do número de vereadores e uma redução porcentual de gastos das câmaras municipais.
Depois foi aprovada só com o aumento do número de vereadores, portanto, sem a diminuição dos gastos, o que levou o então presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia, a recusar-se a promulgá-la.
Agora foi aprovado o aumento da quantidade de vereadores - precisamente 7.343 novos edis - acoplado à redução de gastos, a vigorar no ano seguinte à promulgação da emenda.
Pelo projeto aprovado o número de vereadores é variável, conforme o número de habitantes de cada município. Foram criadas 24 faixas populacionais, que vão desde as que comportam 9 vereadores - para municípios de até 15 mil habitantes - até 55, para cidades com mais de 8 milhões de habitantes.
Em relação ao que dispõe a Constituição, a emenda aprovada reduz, de fato, os gastos das Câmaras Municipais, embora em porcentagens pouco significativas.
Por exemplo, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro, que hoje tem gastos limitados a 5% da receita líquida do município, terá um repasse de 4%. Já na Câmara paulistana, os gastos passarão de 5% para 3,5% da receita municipal.
Não se pense que o novo "trem" beneficiará apenas os futuros candidatos a vereador, aumentando-lhes a oportunidade de obter um mandato nas eleições de 2010.
Afinal, um dos itens mais escandalosos da emenda é que ela beneficia os suplentes das eleições de 2008, que serão empossados para que se complete o número ampliado de vereadores de cada Câmara.
A medida só não foi mais calamitosa porque o relator do projeto eliminou do texto a obrigatoriedade do pagamento, a esses suplentes que se tornarão efetivos, de remuneração retroativa a 1º de janeiro, data em que foram empossados os candidatos eleitos em outubro de 2008.
Nisso, pelo menos, os contribuintes não foram extorquidos.
"Todos os partidos são favoráveis à proposta porque aumenta o número de vereadores, mas limita os gastos das câmaras", disse o líder do PT, deputado Cândido Vaccarezza.
Mas nem todos os deputados concordaram com esse "trem da alegria".
O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), por exemplo, pôs a questão em pratos limpos: "Sou favorável a se repensar o número de vereadores, mas no bojo de uma reforma política. Aumentar o número de vereadores não é mais democracia. É mais emprego de vereador."
E é exatamente disso que se trata. Alguém, por acaso, achará que o aumento do número de vereadores, praticamente em todos os municípios brasileiros, dará melhores condições de funcionamento ao trabalho legislativo?
Em nenhuma cidade brasileira, por mais pobre que seja, os problemas e dificuldades que existem não serão resolvidos porque a Câmara recebeu mais dois ou três vereadores.
O que ocorre é, justamente, o contrário. Não é pequena a quantidade de municípios em que os legislativos estão "inflacionados", tanto em termos de representantes quanto de funcionários e de gastos com pessoal. E mais vereadores é igual a menos serviços públicos.
É claro que na base dessa distorção está o processo eleitoral, em que as vagas para vereadores são negociadas em troca do apoio a candidatos a cargos proporcionais ou majoritários, estaduais ou federais.
Há uma espécie de vasos comunicantes ligando currais eleitorais - e esse é um vício histórico.
O "trem" fisiológico-eleitoral que a Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou infelizmente confirma e arraiga esse nosso velho e atrasado hábito. Vamos esperar que o plenário da Câmara detenha esse "trem".