População carcerária dobra em nove anos 18/09/2009
- André Luís Alves de Melo - Consultor Jurídico
O sistema prisional no Brasil tem passado por grandes dificuldades, afinal, em 2000, tínhamos 230 mil presos e, atualmente, temos em torno de 460 mil, o que representa um crescimento de aproximadamente 100% em nove anos. Muitos dirão que isto é por falta de assistência jurídica, mas isto é uma percepção equivocada e que visa valorizar o fornecimento de mais um serviço. Na verdade, cerca de 80% dos nossos presos cometeram delitos de furto, roubo e tráfico de drogas. Temos ainda o fato de que 30% dos presos são provisórios e esquecidos nos presídios. Hoje temos quase 500 mil pessoas cumprindo penas alternativas, número que vem aumentando anualmente, mas ainda é algo de pouco interesse no meio jurídico.
Os mutirões estão mostrando uma realidade que insistimos em negar, os profissionais do Direito não gostam de visitar presídios. Porém, a solução apresentada por alguns setores é que devemos criar ou ampliar mais um órgão público para atendimento jurídico aos presos, em um modelo estatizante.
A Defensoria Pública tem 80% do seu efetivo atuando na área cível, conforme 2º Diagnóstico da Defensoria feito pelo Ministério da Justiça. Ou seja, em vez de atender aos réus criminais, o órgão prefere cuidar de causas cíveis, como meio ambiente, direitos coletivos e consumidor, o que acaba gerando uma concorrência com a advocacia privada, pois é comum que a Defensoria atenda pessoas que poderiam pagar um advogado, ainda que parceladamente.
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Agravando este caos, a Defensoria agora quer atender as vítimas de crime, e há casos em que não atende o réu criminal por “conflito de interesses”.
Nesse sistema, a Defensoria em Minas Gerais pressiona para que o estado não atenda nos presídios através de outros órgãos jurídicos, o que cria uma espécie de monopólio de presos, e em seguida lançam programas como Força Nacional. Em outros estados, o governo tem sido quase que compelido a canalizar todos os recursos de atendimento jurídico para a Defensoria, não podendo mais destinar para as ONGs e outras formas de atendimento. Porém, se o estado pode ter vários órgãos para ajuizar ações coletivas, também pode ter vários para prestar assistência jurídica.
Por iniciativa do Conselho Nacional de Justiça, e não da Ordem dos Advogados do Brasil, foi implantada a Advocacia Voluntária, o que já é comum nos Estados Unidos, em que todo escritório tem que ter uma cota de atendimento gratuito, como atividade de marketing e responsabilidade social. Na maioria dos estados ainda não se conseguiu implantar a Advocacia Voluntária. A rigor, o grande embate foi que Defensoria e OAB pressionaram pela não implantação deste serviço voluntário e, verificando ser inviável esta postura, passaram a exigir que fosse gratuito o atendimento, em uma preocupação mais com a concorrência do que com o preso.
Na verdade, o nosso sistema prisional é um setor realmente doentio, que acaba dando lucros para segmentos como construção de presídios, fornecimento de marmitas e uniformes, segurança prisional e até mesmo assistência jurídica.
Um modelo em que o Estado acusa e o Estado defende é algo que somente existe em países da América Latina e de origem autoritária. Com monopólio de defesa, porém, só existe no Brasil. A pergunta que muitos não querem que seja feita é a seguinte: “quem fez a maioria das defesas criminais dos presos no Brasil, a advocacia pública ou a advocacia privada?” Com base nesta resposta, nós vamos concluir se é viável estatizar a defesa ou não.
Por outro lado, de forma paradoxal, o Estado acusa, o Estado defende, e depois alega que tem abusos na quantidade de presos e precisa de mais assistência jurídica na área prisional para “defender” novamente do próprio Estado que condenou. Isto é quase uma esquizofrenia jurídica. O Estado cria a “gripe suína” e depois “vende as suas vacinas” e álcool em gel. Tudo feito não por um inimigo externo, e sim pelo próprio Estado.
A situação se complica mais ainda pelo fato de que não se entende bem esta divisão de responsabilidades entre Judiciário e Executivo na área prisional, o que provoca uma grande lacuna, sendo que a Execução Penal realmente não precisa ser uma atividade burocrática e judicializada.
É mais lucrativo para setores jurídicos deixarem o problema se agravar, para pedir mais verba do governo. Basta dizer que até hoje muitos tribunais não emitem o cálculo de pena dos presos pela internet, ou seja, preferem fazer manualmente, uma vez que isto mantém muita gente empregada. Os presos ficam reféns destes fornecedores de serviço público e privado.
O ideal seria romper com reservas de mercado no sistema prisional, com medidas como:
1) Criar uma Agência Reguladora Prisional para integrar todos os presídios e normas no país, pois quando se unificam condenações criminais em locais diversos, a situação fica ainda mais crítica;
2) Disponibilizar o Atestado de Pena pela internet;
3) Criar um Sistema Integrado de Execução Penal;
4) Autorizar que os benefícios aos presos sejam concedidos administrativamente (desjudicialização) e apenas sejam resolvidos pelo Judiciário quando negados ou questionados de alguma forma;
5) Permitir ao Ministério Público a disponibilidade da ação penal, pois isto evita a obrigatoriedade de se processar por pequenos delitos;
6) Transformar em ação penal condicionada à representação da vítima os crimes de furto de pequeno valor de até um salário mínimo, por exemplo. E repensar a questão da pena para pequenos traficantes;
7) Criar mais modalidades de penas alternativas copiando as que já funcionam em outros países;
8) Descentralizar a assistência jurídica e acabar com a tentativa de monopólio de presos;
9) Rever a Lei de Execução Penal e estipulá-la como matéria obrigatória em exames da OAB e concursos jurídicos.
Com estas nove medidas, reduziríamos a quantidade de presos em quase 50% em menos de cinco anos, sem gerar impunidade e sem aumentar os custos, apenas com a remodelação do sistema.