Um avanço e muitos atrasos 19/09/2009
- O Estado de S.Paulo
Menos de duas horas após ter recebido de volta, do Senado, com 67 emendas, o projeto de lei da minirreforma eleitoral, a Câmara dos Deputados o aprovou, depois de rejeitar quase todas as modificações introduzidas pela Câmara Alta. Pode-se dizer que, no cômputo geral, o texto final que seguiu para a sanção presidencial contém um avanço e muitos retrocessos. Houve bom senso quando se liberou o uso da internet pelos candidatos e partidos durante os três meses da campanha eleitoral e se aprovou a ampla liberdade de cobertura jornalística, na internet, pelas empresas de comunicação social, os blogs assinados por pessoas físicas, as redes sociais (do tipo Orkut) e os sítios de interação e de mensagens instantâneas - sendo vedados nessa atividade apenas o anonimato e a propaganda eleitoral paga.
Mas foi justamente nesse campo que a Câmara consagrou o atraso, ao estabelecer que, nos debates eleitorais pela Web, vigorará a mesma exigência imposta ao rádio e à televisão, de participação de todos os candidatos a cargos majoritários. Observe-se que, se tal exigência para os veículos de comunicação eletrônica de massa já é um atraso, no tocante à liberdade da comunicação, a equiparação destes aos veículos da Web, em tudo mais próximos da mídia impressa, é um despropósito, como observou o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Carlos Ayres Britto. Mas não para aí o rol de retrocessos.
Na Câmara, caiu a proposta, aprovada no Senado, de eleição direta de sucessores de governadores ou prefeitos cassados. A Justiça Eleitoral vem determinando que, decretada a cassação do mandato do político eleito em segundo turno, assume o candidato com a segunda maior votação, o que pode transformar em governante o detentor de maior índice de rejeição eleitoral - para dizer o mínimo.
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Mas foi no campo específico dos princípios éticos que devem nortear a vida pública que a Câmara dos Deputados sacramentou práticas e vícios que têm alimentado a descrença dos brasileiros nos Poderes do Estado. E não se diga que isso se deveu, apenas, ao afogadilho com que foi aprovada a minirreforma eleitoral - o que, por si, depõe contra o senso de responsabilidade dos legisladores.
A nova lei eleitoral dispensa a "reputação ilibada" como condição prévia para as candidaturas. No dizer de um deputado, tal critério seria impróprio porque demasiadamente "subjetivo". Basta, no entanto, examinar os currículos de centenas de candidatos a cargos eletivos, que mais parecem extensos prontuários policiais, para se ver que não haveria nenhuma subjetividade na exigência de reputação ilibada como requisito para ingresso na vida pública. O texto aprovado mantém a regra atual, permitindo que disputem eleições políticos que respondam a processos, que tenham sido condenados, mas ainda possam recorrer, ou tenham contas de campanha rejeitadas.
Outra permissividade escandalosa refere-se à institucionalização da "doação oculta". O novo texto deixa explícito que as empresas podem fazer doações para diretórios de partidos, que repassam os recursos a comitês financeiros ou diretamente a candidatos, sem que a doação fique em nome destes. Assim, ocultam-se as relações nem sempre lícitas entre empresas e candidatos.
Permanecem algumas restrições da legislação atual - como a proibição de outdoors e cartazes e da participação de candidatos em inaugurações de obras públicas nos três meses anteriores às eleições -, mas concedem-se outras liberalidades que haviam sido vetadas no texto que veio do Senado, tais como a ampliação de programas sociais (do tipo Bolsa-Família) em ano eleitoral.
Dois itens que foram introduzidos na minirreforma já são objeto de pressão para que o presidente da República os vete. O primeiro é o do voto em trânsito, nas capitais, para presidente da República - que tem recebido forte objeção do atual ministro da Defesa e ex-presidente do STF, Nelson Jobim, que alerta para os sérios riscos à segurança do processo, pela ação de hackers, afora o substancial aumento de custos para tornar esse voto viável. O outro item é o voto impresso - que obriga à impressão de 2% dos votos, para efeitos de checagem, a partir das eleições de 2014. Trata-se, na verdade, de polêmica diretamente relacionada ao grau maior ou menor de confiança que se tenha no sistema de informatização das eleições.