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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

A mordaça se eterniza
02/10/2009 - O Estado de S.Paulo

Descartada a versão implausível de que o Judiciário conspira deliberadamente contra a liberdade de imprensa no Brasil -- apesar de já chegar a uma dúzia o número de casos de censura judicial --, é inexplicável, ou pode se prestar a quaisquer outras interpretações, a espantosa decisão tomada pela 5ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJ-DF).

O colegiado considerou o TJ-DF incompetente para julgar a ação movida pelo empresário Fernando Sarney contra o "Estado", transferiu o caso para a Justiça Federal de primeira instância, no Maranhão, e, ainda assim, para perplexidade de leigos e juristas, manteve a liminar, oriunda do mesmo TJ-DF, que há mais de dois meses proíbe o jornal de publicar reportagens baseadas nas investigações da Polícia Federal sobre os negócios do filho do senador José Sarney. Ele está indiciado por lavagem de dinheiro, tráfico de influência, formação de quadrilha e falsidade ideológica.

Foi a segunda incursão do tribunal de Brasília pelo território do absurdo -- ou pelo "abuso", como prefere o veterano criminalista Antonio Claudio Mariz de Oliveira, que se diz chocado com a decisão.


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Da primeira vez, em 15 de setembro, o Conselho Especial do TJ-DF, embora desse ganho de causa ao Estado, que demandara que o autor da liminar impondo a censura prévia, desembargador Dácio Vieira, fosse declarado impedido de atuar no processo -- por ter atribuído ao jornal "ação orquestrada mediante acirrada campanha com o nítido propósito de intimidação" --, convalidou o seu ato atentatório ao princípio constitucional da liberdade de imprensa.

Os conselheiros ignoraram que o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (STF), aplicável por analogia a todos os tribunais brasileiros, estipula que, "afirmada a suspeição pelo arguido, ou declarada pelo tribunal, ter-se-ão por nulos os atos por ele praticados".

À época, o ministro Marco Aurélio Mello chamou a atenção para a "insubsistência dos atos praticados pelo magistrado dado por suspeito".

A decisão foi recebida nos meios forenses como uma construção criativa, possivelmente para salvar a face do colega que se recusara, ele próprio, a deixar o processo, depois da revelação de suas relações de amizade com a família Sarney e de sua passagem pela consultoria jurídica do Senado.

E assim, de favores em favores, de proteção em proteção, consolida-se a lassidão moral que avassala a vida pública brasileira, a ponto de se atentar contra as liberdades constitucionais com a maior sem-cerimônia.

A nova enormidade segue o mesmo padrão, aprofundando a gritante incongruência anterior. Para sair da "esteira do abuso que marca a manutenção da censura quando o juiz foi declarado suspeito", argumenta Mariz de Oliveira, "o TJ-DF, ao dar-se por incompetente, deveria ordenar imediatamente a suspensão dessa proibição".

Um órgão do Judiciário que não se considera competente para dar curso a um processo, preferindo remetê-lo para outro tribunal, logicamente teria de anular as decisões que os seus membros tenham tomado a respeito.

"O que mais me deixa surpreso é quando um tribunal diz que não tem competência e mantém a decisão", comenta o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares Pires. "Se é incompetente, a decisão está revogada. Não consigo entender."

"É mais uma demonstração do corporativismo que prolonga uma inconstitucionalidade absurda", explica o presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Maurício Azêdo.

Atitudes corporativas podem se destinar a proteger qualquer dos colegas da corporação -- ou o conjunto dos seus membros. Às vezes a proteção se estende, para todos os efeitos práticos, a figuras que não integram o colegiado, mas podem ter tido influência na sua composição. São laços poderosos que evidenciam a sua durabilidade em momentos críticos.

Em que medida isso alcança o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios é uma questão em aberto.

O fato incontestável é que o "Estado" continuará amordaçado não se sabe por quanto tempo ainda. Os advogados do jornal não podem apelar de imediato da decisão. Qualquer iniciativa deve esperar a publicação do acórdão do TJ-DF, o que não costuma acontecer exatamente da noite para o dia.

Tanto pior para o direito da sociedade à livre informação sobre assuntos de interesse público.

  

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