O vazamento da prova do Enem 03/10/2009
- O Estado de S.Paulo
Com a divulgação pelo jornal O Estado de S. Paulo do vazamento da prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) que seria realizada neste fim de semana por mais de 4,1 milhões de alunos em 1.826 cidades, o Ministério da Educação (MEC) adotou a única decisão cabível: cancelou a realização das provas. E, apesar de o ministro Fernando Haddad ter anunciado que o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep) - o órgão responsável pelo Enem - irá trocar a prova viciada por uma prova substitutiva previamente elaborada, prometendo aplicá-la dentro de 45 dias, especialistas afirmam que, em face das gritantes falhas no esquema de segurança do MEC, a nova versão também poderia estar comprometida.
Os repórteres Renata Cafardo e Sérgio Pompeu tiveram acesso à prova do Enem no começo da noite da última quarta-feira. E, depois de examinarem cuidadosamente a parte relativa a linguagens e códigos, principalmente as questões que envolviam personagens de tiras de conhecidas histórias em quadrinhos, como Mafalda e o gato Garfield, versos de Gonçalves Dias e de Carlos Drummond de Andrade e o filme Touro Indomável, de Martin Scorsese, levaram os fatos delituosos ao conhecimento do ministro Haddad. Na madrugada da quinta-feira, o ministro e o presidente do Inep, Reynaldo Fernandes, reconheceram oficialmente o vazamento, cancelaram a realização da aprova e pediram à Polícia Federal a imediata abertura de inquérito criminal.
Aplicada desde 1998 e concebida para induzir ao aperfeiçoamento dos currículos do ensino médio e propiciar a democratização do acesso ao ensino superior, a prova do Enem é o maior exame simultâneo do País e a versão de 2009 é o mais concorrido de todos os mecanismos de avaliação do MEC. Isto porque, além de aferir o grau de conhecimento dos estudantes que terminam o ensino médio e de selecionar os bolsistas do ProUni, a partir deste ano o exame passou a valer para certificar a conclusão do ensino básico por pessoas com mais de 18 anos e a ser utilizado como vestibular unificado, em etapa única, para 24 das 55 universidades federais.
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Até as maiores instituições de ensino superior do País, como a USP e a Unicamp, aceitam os resultados do Enem na composição da nota em seus processos seletivos. Por isso, mesmo sendo optativo, o Enem de 2009 teve o dobro do número de inscritos na prova do ano passado. Pelos levantamentos feitos pelo MEC e pelo Inep com base no último Censo Escolar da Educação Básica, o índice de inscrição no Enem já atinge cerca de 80% dos estudantes que estão na 3ª série da rede pública e privada de ensino médio.
Apesar da experiência já acumulada pelo Inep na aplicação do Enem, a prova de 2009, ao contrário do que ocorreu nos anos anteriores, começou a apresentar problemas desde que começou a ser elaborada. Quando o MEC propôs às universidades federais sua utilização como vestibular unificado, os pedagogos divergiram quanto ao conteúdo das questões, à abordagem pedagógica e aos critérios de correção da prova. Depois, o Inep estimulou as inscrições pela internet, mas o sistema de informática do MEC não estava preparado para atender à demanda. Em seguida, a greve da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT) prejudicou a entrega dos cartões de inscrição aos candidatos. A definição dos locais da prova também gerou problemas, pois muitos candidatos teriam de se deslocar para cidades distantes até 330 quilômetros de suas residências. Ao todo, o Inep recebeu 6 mil pedidos de estudantes para trocar o local da prova. Por fim, o MEC acabou montando um confuso e ineficiente sistema de informações aos alunos, recorrendo à internet, a "torpedos" por meio de celulares, a chamadas telefônicas convencionais e a cartas. E estas tiveram problemas de remessa, por erros primários da listagem de endereços, que, por razões inexplicadas, não ficou a cargo do Inep.
Na realidade, todas essas dificuldades apenas confirmam o que apontamos em diversos editoriais. No conteúdo, as profundas mudanças introduzidas no Enem de 2009 foram oportunas e merecem aplauso. Mas foram implementadas a toque de caixa, sem planejamento adequado, com o objetivo de usá-las como trunfo político a serviço de um projeto eleitoral. Tanto açodamento só podia resultar em confusão, coroada com o vazamento da prova.