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Críticas Construtivas Se todo governante quer, por quê não?!!!

O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

Oxigênio nos pulmões eleitorais
04/10/2009 - Gaudêncio Torquato*

John Stuart Mill, um dos pensadores liberais mais influentes do século 19, classificava os cidadãos em ativos e passivos, aduzindo que os governantes preferem os segundos, mas a democracia necessita dos primeiros.

A comparação do filósofo inglês, pinçada por Norberto Bobbio em seu livro "O Futuro da Democracia", expressa, ainda, a ideia de que os súditos são transformados num bando de ovelhas a pastar capim uma ao lado da outra. Ao que Bobbio acrescenta:

"Ovelhas que não reclamam nem mesmo quando o capim é escasso."


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Pois bem, por estas bandas, apesar do capim farto, equinos, caprinos e bovinos rompem o cabresto e saem dos currais. E mais, não querem ser comparados a animais irracionais e dóceis.

A notícia boa é que a imagem acima desvenda um Brasil cidadão que decidiu expurgar o passado do voto amarrado à distribuição de benesses e à opressão dos senhores feudais da política.

Nos últimos tempos, movimentos e decisões nas esferas judiciária e parlamentar denotam que o País passou a aplicar parâmetros racionais no campo eleitoral, proibindo de maneira rigorosa práticas ilícitas da compra de voto.

Manifestação dessa saudável corrente de pensamento foi a entrega à Câmara dos Deputados do projeto de lei de iniciativa popular, assinado por 1,3 milhão de eleitores, que trata da proibição de candidaturas de pessoas com condenação na Justiça.

Não passa despercebido o fato de que o feito se dá exatamente por ocasião do décimo aniversário da Lei 9.840, também de iniciativa popular, assinada por mais de 1 milhão de pessoas, que versa sobre o combate à corrupção eleitoral, em vigor desde o final de setembro de 1999.

Esta lei é responsável pela cassação de 238 prefeitos eleitos em 2008 e pelo afastamento, este ano, dos governadores da Paraíba, do Maranhão e do Tocantins, respectivamente Cássio Cunha Lima, Jackson Lago e Marcelo Miranda.

Os dois eventos sinalizam a emergência da sociedade participativa, fenômeno observado também na miríade de entidades que desfraldam bandeiras, enchendo praças, ocupando os salões de Casas congressuais e fazendo ecoar um grito cívico.

Ao mesmo tempo que novos polos de poder se movimentam, empurrando as demandas sociais e os pleitos corporativos em direção aos três Poderes da República, estes, por sua vez, absorvendo as massas de pressão, reagem com decisões consentâneas à nova moldura.

Em algumas áreas os avanços têm sido notáveis. O ativismo da mais alta Corte Eleitoral, ao contrário do que muitos apregoam, não deve ser entendido como invasão despropositada na esfera política.

Se ocorreu, em algum momento, ruído a apontar interposição de funções, seguramente o fato se deveu à omissão do Parlamento.

Não há, porém, como negar: o País, de maneira lenta e gradual, tem aperfeiçoado os padrões da política.

Nos últimos nove anos, a primeira instância da Justiça Eleitoral indicou a cassação de 667 políticos, entre prefeitos, vices e vereadores.

O TSE, por sua vez, intensifica o julgamento de casos envolvendo governadores, senadores, deputados e prefeitos, enquanto seu presidente, ministro Carlos Ayres Britto, eleva a voz para exaltar dois eixos que considera fundamentais para revigorar a democracia: transparência total e "informações de plenitude" ao eleitor.

É perceptível o sentimento de que a cultura de leniência - principalmente no aspecto de interpretação das leis - começa a fazer parte da massa falida que se acumula no baú de nossa História.

Se no epicentro das decisões os juízes se movem por intensa energia, calibrada pelo espírito humanista de seu presidente, em outras plagas o eco da cidadania se espraia por meio de atos simples, mas vigorosos, da Justiça.

No pleito passado, em Limoeiro, no Ceará, a juíza Luciana Teixeira de Souza mandou confeccionar 1.600 faixas com os dizeres: "Esta família não vende voto." As faixas foram disputadas por eleitores motivados pelo alerta cívico.

Vale lembrar que o artigo 41-A da Lei 9.504/97 pune candidatos que oferecem dinheiro, qualquer bem ou vantagem pessoal, inclusive emprego ou função pública, para garantir o voto.

Alguém poderá questionar: às vezes o País não caminha para trás?

Essa PEC que cria mais quase 8 mil vereadores não significa um retrocesso?

Sem dúvida.

Vale lembrar que o corpo político da Nação não se curou por completo de doenças crônicas, dentre elas, inchaços na máquina pública e gordura excessiva nas Casas representativas.

No caso dos vereadores, ocorreu pressão - até legítima - das bases municipais. Senadores e deputados, como se sabe, dependem do voto municipal - e vereadores são fortes cabos eleitorais.

Contrariamente às expectativas dos propositores, o pacote só poderá ser desembrulhado em 2012, portanto, sem efeito retroativo.

Como se vê, resquícios da cultura arcaica continuam a pontuar o cenário político. Além disso, parcela de nossa representação destoa do espírito do tempo, ao patrocinar projetos inócuos.

Um exemplo de ação inócua? A ideia de trocar o nome do Parque do Ibirapuera para Michael Jackson.

Nos idos da colonização, o Ibirapuera era aldeia indígena em região alagadiça, donde o significado de árvore apodrecida fica expresso no termo. Assim, o parque possui identidade, tornando-se um símbolo da cidade.

Eis que um vereador da capital, Agnaldo Timóteo, tenta transferir o legado contido no nome daquele parque para o cantor norte-americano, cuja morte foi transformada em espetáculo midiático.

Nenhum político oportunista inglês, francês ou americano teria coragem de propor a mudança do nome do Hyde Park (Londres), do Bois de Boulogne (Paris) ou do Central Park (Nova York). Seria execrado em praça pública.

Portanto, ao lado das águas cristalinas que purificam as fontes da política, "a preamar do niilismo", para usar uma expressão de Nietzsche, faz questão de reaparecer, vez ou outra, na paisagem.

A expectativa, porém, é a de que as cortinas eleitorais de 2010 permitirão distinguir homens e sombras, dignos e medíocres, cristal e lama.

...

*Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP, é consultor político e de comunicação

  

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