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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

A PEC dos cartórios
06/10/2009 - O Estado de S.Paulo

Desde que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu moralizar o funcionamento dos 13,5 mil cartórios existentes no País, exigindo que todos sejam dirigidos por pessoas devidamente concursadas, os tabeliães interinos, que assumiram o cargo em decorrência da aposentadoria ou morte do titular, vêm pressionando a Câmara dos Deputados a aprovar, a toque de caixa - espera-se para quarta-feira a votação em primeiro turno -, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 471/05, que os efetiva no cargo. A atividade cartorária é delegada pelo poder público a particulares e a Constituição exige que eles sejam escolhidos por concurso público.

O problema é que, embora os concursos já tenham sido realizados, muitos presidentes de Tribunais de Justiça, agindo corporativamente, negam-se a empossar os novos titulares, esperando a aprovação da emenda para favorecer os interinos. Pelas estimativas do CNJ, 8 mil pessoas que já foram aprovadas para dirigir cartórios, que estão sob responsabilidade de interinos, ainda não foram empossadas. E elas estão se mobilizando para exigir seus direitos na Justiça.

Nos cartórios mais rentáveis, situados nas capitais e em cidades de porte médio, chegando a faturar entre R$ 500 mil e R$ 2 milhões por mês, grande parte dos titulares interinos ou provisórios é formada por juízes e desembargadores aposentados. Atraídos pela alta rentabilidade do setor, eles negociaram a indicação para o cargo com a direção da Corte à qual serviam. Para o CNJ, a PEC 471/05 é imoral, na medida em que mantém os cartórios atrelados a "esquemas corporativos de transmissão de feudos". E também é inconstitucional, uma vez que a Carta de 88 determina o preenchimento dos cargos por concurso público.


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Em nota técnica divulgada em novembro de 2008, o CNJ criticou duramente as pressões políticas dos titulares interinos para acelerar a tramitação da PEC 471/05, classificando-a como um "descompasso histórico" que "desmoraliza a democracia e o Estado de Direito". No mês passado, o corregedor nacional de Justiça, ministro Gilson Dip, classificou a PEC como "trem da alegria".

Há uma semana, o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, disse que a PEC dos cartórios não passa de uma imoral "gambiarra jurídica" concebida para efetivar tabeliães biônicos e institucionalizar relações promíscuas entre os cartorários indicados a título provisório e as cúpulas dos Tribunais de Justiça. "Isso não eleva nosso padrão civilizatório. Os provisórios se eternizam, gerando filhotismo, apadrinhamento e patrimonialismo. Está na hora de o Brasil acabar com isso de forma definitiva. Não faz sentido tentar burlar o sistema concursivo previsto pela Constituição." Recebeu o apoio da OAB.

Apesar de a PEC 471/05 configurar uma aberração jurídica, ela vem sendo defendida pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil, cujos dirigentes têm participado de negociações com deputados e com o próprio presidente da Câmara, Michel Temer, para tentar colocá-la em votação o mais rapidamente possível. Ao justificar as pressões sobre o Legislativo, a entidade distribuiu nota afirmando que a iniciativa moralizadora do CNJ é injusta com os titulares interinos de cartórios, pois eles seriam afastados e perderiam os cargos "depois de trabalharem, investirem e aperfeiçoarem os serviços". A tese foi refutada pelo presidente da OAB, Cézar Brito: "Cartório não é capitania hereditária."

Como o lobby dos titulares interinos é poderoso, o próprio CNJ acha que será difícil evitar a aprovação da PEC dos Cartórios. Por isso, o presidente do órgão já deixou claro que o caso acabará sendo levado ao Supremo. "E aí a emenda será contestada, pois fere cláusula pétrea, flexibiliza os critérios dos concursos públicos, fere o princípio da igualdade e erode a autoridade do próprio CNJ", diz Mendes. Na realidade, este problema não existiria se o poder público já tivesse adotado um processo de desburocratização, reduzindo ao mínimo a exigência de carimbos notariais. Com o avanço da tecnologia, a maioria das atividades dos cartórios se tornou desnecessária.

  

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