Não foram poucos os observadores internacionais que acreditaram que a ida a Tegucigalpa de uma delegação composta por representantes de 13 países-membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) poria fim à crise que já dura cerca de cem dias. Afinal, o presidente deposto, Manuel Zelaya, já admitia voltar à presidência com poderes bastante reduzidos - o que de certa forma coincidia com as condições impostas pelo presidente de facto Roberto Micheletti de somente aceitar a volta de Zelaya se ele admitisse chefiar um gabinete pré-negociado, com poderes limitados. Além disso, dias antes da chegada da delegação a Honduras, Micheletti tivera um encontro com o secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, numa base aérea de Honduras.
Mas o fato é que os representantes da OEA não tinham um plano para pacificar o país centro-americano nem uma estratégia negociadora que pudesse levar à solução do conflito. Limitaram-se a repetir a fórmula inspirada por Hugo Chávez - que não se conforma em perder a cabeça de ponte que havia estabelecido em Honduras ao atrair Zelaya para o movimento bolivariano - e instigada pelo Itamaraty: Micheletti deve sair e Zelaya deve voltar ao governo. As circunstâncias que levaram à queda de um e à nomeação do outro pelo Legislativo local, com o apoio integral do Judiciário e das Forças Armadas, não são consideradas, assim como a comunidade internacional pouco está se importando com o que os hondurenhos consideram melhor para seu futuro.
Certamente pesaram na imprudente decisão da delegação da OEA de chegar a Tegucigalpa sem uma proposta que não fosse a rendição incondicional do governo de facto as análises que davam conta de que o isolamento a que a comunidade internacional submeteu Honduras já começava a erodir as bases de apoio do presidente Micheletti.
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O fato é que, no encontro da delegação com Micheletti, o secretário-geral da OEA iniciou um discurso em que manifestava preocupação com a situação pessoal de Zelaya, então há 17 dias na embaixada brasileira, e com as consequências da suspensão dos direitos constitucionais pelo estado de sítio, que já havia sido revogado. Bastou para que Micheletti tomasse a palavra e determinasse o destino da missão da OEA. "Nem vocês sabem toda a verdade nem querem escutar toda a verdade. Vocês têm de investigar o que se passou neste país antes do 28 de junho. Porque vocês nos condenaram sem nos escutar."
E subiu o tom: "Ouçam o que digo: neste país não tememos os Estados Unidos nem o Brasil. O único que tememos aqui é Mel Zelaya. Temos pânico de Mel Zelaya. Esse senhor que pagava os tratadores de seus cavalos e até seus alimentos com fundos públicos. Esse senhor que retirou de uma joalheria privada uma quantidade de joias não sabemos para quem, mas sabemos que foi com o dinheiro do Estado."
E completou: "Aqui vão ser realizadas eleições no próximo 29 de novembro. E só há uma possibilidade de que não se realizem essas eleições: se nos invadirem, se mandarem soldados para nos invadir. Portanto, não sejam maus e não nos deixem sem eleições. Façam-me um favor: reflitam sobre o dano que vocês estão causando a Honduras (...). Acreditávamos que vocês vinham de boa-fé e que escutariam os hondurenhos. Mas não. Os discursos que fizeram foram inteiramente diferentes. Porque vocês querem reconduzir Zelaya sem escutar nem mesmo o que possam dizer os negociadores." O discurso foi reproduzido pelo jornal El País, de Madri, do dia 8.
Diante disso, a missão da OEA retornou a Washington. Há indícios, no entanto, de que o organismo pode aceitar um acordo que não contemple a volta de Zelaya ao poder. A negociação de uma solução para a crise está, agora, nas mãos dos hondurenhos - onde deveria ter ficado desde o seu início. "Este será um diálogo exclusivamente hondurenho", disse o chanceler da Costa Rica. "Honduras é uma família dividida que precisa se reconciliar."
O presidente de facto, Roberto Micheletti, já afirmou que deixará o cargo se Manuel Zelaya desistir de voltar ao poder. Essa pode ser uma condição necessária para a solução da crise. Falta, ainda, que Zelaya e seus companheiros desistam da exigência da elaboração de um novo "pacto político e social" - uma óbvia brecha para a chegada do bolivarianismo chavista ao país. As eleições de novembro, com lisura atestada por observadores internacionais, poriam fim ao problema.