O presidente Luiz Inácio da Silva pode ser, e é, um político ardiloso. Mas não é um homem corajoso. Tampouco é um líder renovador. Não bate de frente com ninguém que possa vir a lhe ser útil amanhã, não enfrenta questões polêmicas, não compra brigas difíceis nem aceita disputa com igualdade de condições, só entra em conflitos protegido por escudos e, sobretudo, não confronta paradigmas.
Na dúvida, prefere a rendição. E pior, na condição de chefe da Nação, não hesita em classificar o Brasil como um país fadado a fazer política ao rés do chão e de mãos sujas.
Na entrevista publicada na Folha de S.Paulo de quinta-feira (22), Lula pretendeu demonstrar pragmatismo, mas o que exibiu mesmo foi um imenso conformismo, incurável conservadorismo e oceânica indiferença em relação a qualquer coisa que não tenha a ver com sua pessoa. No Brasil, Jesus teria que se aliar a Judas, disse, como justificativa à sua tolerância para com a ausência de limites entre o público e o privado na operação da política brasileira.
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Não é a primeira vez que o presidente se põe no patamar de divindade nem é inédita a manifestação de complacência em relação às piores práticas e seus praticantes. O exemplo, porém, agora foi mais infeliz do que nunca.
Desrespeitoso do ponto de vista religioso - ainda mais para quem preside a maior nação cristã do mundo - e ignorante do que tange ao registro histórico. Jesus, bem lembrou o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, dom Dimas Lara Barbosa, não se aliou aos fariseus e penou exatamente por se manter fiel aos seus princípios.
Não se imagina que um político, nem mesmo um presidente da República, possa se conduzir por parâmetros santificados. Daí não ser aceitável também que dê ares sagrados aos seus atos. Contudo, espera-se de lideranças políticas - principalmente daquelas detentoras da admiração popular e que tenham feito carreira apresentando-se como arautos da mudança - que não se acomodem. Não compactuem, que usem seus melhores atributos para melhorar os defeitos que os fizeram crescer no imaginário da população como a materialização do bem contra o mal.
Em Lula, a figura do progressista, um mito alimentado por duas décadas de ofício oposicionista, não resistiu ao poder. Bem como o símbolo da luta em prol da depuração dos costumes e defesa da ética mostrou seus pés de barro ao adentrar o Palácio do Planalto.
Antes de se especializar como comandante das tropas do mau combate, sempre se alinhando às piores causas, jamais vocalizando os melhores valores, Lula abandonou as reformas.
Algumas delas apresentou pró-forma ao Congresso, como a tributária, a política, a previdenciária, mas ou não lutou por elas ou as deixou pelo meio do caminho. Outras, como a trabalhista e a sindical, simplesmente ignorou. Para não arbitrar conflitos e, assim, correr o risco de se confrontar com setores que lhe poderiam ser úteis.
Lula não é um homem que tome posições e brigue por elas. Não gosta de perder. Talvez considere que já tenha dado ao país sua cota nas três derrotas eleitorais antes de conseguir se eleger presidente. Uma vez conquistado o poder, usa seus instrumentos como um fim em si mesmo.
Ao longo de dois mandatos quase completos, o presidente Lula em nenhum momento sequer sinalizou disposição de empregar suas energias para ajudar a política brasileira a se modernizar. Ao contrário, valeu-se do atraso e apostou em seu aprofundamento.
Ao ponto de, na mesma entrevista, ter atribuído ao presidente do Senado, José Sarney, alguém a quem não hesitava ofender chamando de "ladrão" quando atuava como oposicionista, a condição de guardião da "segurança institucional" do Brasil.
Segundo ele, sustentou Sarney no cargo, a despeito de denúncias e mentiras confessadas, porque representava uma "garantia" ao Estado brasileiro. Não, significava uma caução para o controle do Executivo sobre o Senado, como admite na frase seguinte. A oposição, afirmou o presidente, faria "um inferno" no país, caso Sarney fosse afastado dando lugar ao vice, Marconi Perillo, cujo grande defeito foi ter dito de público que havia alertado Lula sobre a existência do mensalão no Congresso.
"Não entendi por que os mesmos que elegeram Sarney um mês depois queriam derrubá-lo", declarou, fingindo-se de ingênuo, pois não faltaram fatos para propiciar a sua excelência perfeito entendimento a respeito da situação, perfeitamente compreendida pela bancada de seu partido no Senado.
O presidente, que outro dia mesmo reclamava dos políticos de "duas caras", de novo encarnou a simbologia do mau exemplo. Convalidou, pela enésima vez, as práticas nefastas que passou a vida dizendo que precisavam ser combatidas.
Isso é pior do que ter duas caras: é jogar no lixo uma trajetória, enterrar uma biografia, é trair uma legião de brasileiros que o elegeu acreditando nas promessas de mudança.