Acordo em Honduras 02/11/2009
- O Estado de S.Paulo
Em pouco mais de 48 horas de negociações, a missão norte-americana em Honduras, chefiada pelo secretário-assistente de Estado para Assuntos Hemisféricos, Thomas Shannon, que é o embaixador designado para o Brasil, conseguiu o que as organizações multilaterais, inclusive a OEA, não obtiveram em quatro meses.
O acordo mediado por Shannon e assinado pelos representantes do presidente de facto Roberto Micheletti e do presidente deposto Manuel Zelaya estabelece as bases para o retorno à democracia naquele país e, de tal forma, que nenhum dos lados poderá dizer que saiu vitorioso.
Micheletti teve de admitir que a volta de Zelaya à presidência seja decidida pelo Congresso - onde as probabilidades favorecem o presidente deposto - e não pela Suprema Corte - que provavelmente mandaria Zelaya para a cadeia. Mas tem a seu favor o fato de ter liderado um movimento que impediu que Zelaya violasse dispositivos pétreos da Constituição numa tentativa de permanecer no poder.
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Observe-se que os chamados "golpistas" agiram dentro da lei, até que os militares encarregados de cumprir o mandado de prisão emitido pela Suprema Corte contra Zelaya exorbitaram e o expulsaram do país.
Zelaya, por sua vez, deverá ser reinvestido no cargo, mas apenas para concluir o seu mandato. Manterá suas funções cerimoniais, mas o poder de fato será exercido por um gabinete de união e conciliação nacional. Além disso, Zelaya foi obrigado a se comprometer a não tentar, de novo, mudar as cláusulas pétreas da constituição que proíbem a reeleição.
O caso de Honduras mostra um dos melhores lados da política externa do presidente Barack Obama. Quando houve o golpe preventivo em Tegucigalpa, aplicado para evitar que o país se tornasse mais um satélite do bolivarianismo do caudilho Hugo Chávez, não faltou quem garantisse que os Estados Unidos apoiariam o governo de facto.
Mas o que a Casa Branca fez foi juntar-se a todos os países do Hemisfério na condenação da quebra da norma democrática. Depois, deu tempo e espaço para que a OEA e os países da região tentassem mediar o conflito.
Só quando falharam todas as tentativas de mediação da OEA e se chegou a um impasse, o governo americano interveio. Com isso, Washington demonstrou que apoia a ação das instituições multilaterais e que ficou no passado a época em que apoiava ditaduras de direita. Mas também deixou claro que usa os poderes de persuasão da superpotência, quando isso é necessário.
Em linguagem diplomática, o embaixador Thomas Shannon explicou que o argumento decisivo para a obtenção do acordo foi "o reconhecimento que Honduras tem de ir para as eleições com o apoio da comunidade internacional e que a falta desse apoio jogaria o país ainda mais fundo na crise política".
Na verdade, a diplomacia americana jogou, com habilidade, porém com energia, com os dois lados em disputa. E obteve um bom acordo.
A diplomacia brasileira fez o contrário disso. Desde o início da crise, por inspiração do caudilho Hugo Chávez, o governo brasileiro assumiu posições intransigentes contra o governo de facto e a favor do presidente deposto.
Ao permitir que Manuel Zelaya ocupasse a embaixada em Tegucigalpa e dela fizesse o centro da agitação política contra o governo Micheletti, o governo brasileiro passou a interferir nos assuntos internos de Honduras, violando um dos princípios básicos da nossa política externa, que é a não-intervenção.
Essa inabilidade inviabilizou a possibilidade de qualquer tentativa brasileira de liderar um processo de negociação.
Na sexta-feira, ao tomar conhecimento do fim do impasse em Honduras, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que "o que aconteceu, na verdade, foi que Micheletti descobriu que não é possível governar contra a vontade da maioria".
Na verdade, as últimas pesquisas de opinião mostram que os hondurenhos querem que Zelaya complete seu mandato, mas não votariam nele de novo.
Quando fez essas declarações, o presidente Lula estava na Venezuela, em companhia de Hugo Chávez, de quem ouvira, pouco antes, que não entendia como um político com mais de 80% de aprovação não podia continuar governando o seu país.
O autoritarismo de Chávez o impede de ver que o que marca uma democracia é menos a repetição periódica das eleições do que a possibilidade da alternância no poder. Manuel Zelaya se deixou convencer pela pregação chavista e deu no que deu.