Que pensam da sucessão seus protagonistas? 06/11/2009
- Washington Novaes*
São cada vez mais recorrentes as discussões sobre motivos que expliquem os altos índices de aprovação do presidente da República e, em contrapartida, a incapacidade de as oposições a seu governo formularem propostas para a sucessão capazes de contrapor-se a ele. Mas não parece tão difícil assim explicar nem os índices, nem as dificuldades oposicionistas. Em síntese, parecem ser três os fatores em que se apoia a aprovação: a quase ausência de inflação, programas de renda e decisões que permitiram o aumento de consumo dos setores de menores rendimentos.
Começando pela inflação: durante décadas os segmentos de menor renda e renda média conviveram com o fantasma inflacionário, que lhes corroía todo o poder de compra em poucos dias após o recebimento dos salários - enquanto os de maior renda, com a possibilidade de correção monetária e juros em aplicações financeiras, até aumentavam seus rendimentos reais e sua participação na renda total. Não foi outro o motivo central que levou à eleição do presidente Fernando Henrique Cardoso, que passou de intenções de votos bem reduzidas ao ser lançada a sua candidatura - quando os índices mensais de inflação chegavam à casa dos 80% - à vitória no primeiro turno, com a vigência plena do Plano Real. E o segredo, no caso, foi o prazo dado aos setores empresariais para que se adaptassem ao novo modelo, com a vigência da URV, que lhes permitiu acumular "gorduras" e não aumentar preços. A estabilidade monetária trouxe de volta valores (não apenas financeiros) esquecidos. E, mantida, explica boa parte do êxito do atual presidente (vale a pena, a propósito, relembrar que os índices de aprovação do presidente José Sarney, nos primeiros tempos do Plano Cruzado, também chegaram ao céu).
A segunda razão está na permanência e ampliação de programas de complementação de renda, que vinham de antes - englobando o Vale-Transporte e o Vale-Alimentação, merenda escolar e farmácia básica, do governo Sarney; e Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, seguro-desemprego e aposentadoria rural do governo FHC. Muitos deles são agora parte do Bolsa-Família, que hoje tem cerca de 12 milhões de beneficiários e, com seus dependentes, soma mais de 40 milhões de pessoas - uma base eleitoral importante, também ampliada com o crédito consignado, que expandiu o poder de consumo dos setores de menor renda (as classes C e D responderam pela metade do crescimento das vendas de alimentos e artigos de higiene e limpeza no primeiro semestre deste ano - Agência Estado, 1º/11).
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Em meio a essas discussões, vale a pena rever, no livro O Melhor do Roda Viva, organizado por Paulo Markun, o que disseram no programa de entrevistas da TV Cultura de São Paulo alguns dos personagens centrais dessas discussões de hoje, mas no momento em que se encontravam em situações diferentes das atuais - FHC ainda como presidente, Lula como líder oposicionista derrotado em eleições presidenciais e Sarney já fora da Presidência, mas ainda longe da via-crúcis de hoje.
Sarney, por exemplo, diz (em 2005) que Lula é o "resultado da transformação da sociedade durante aquele tempo" (seu governo e seus programas sociais), que o Plano Real não teria existido sem o Plano Cruzado, mas que ainda é preciso fazer "um pacto social".
Já FHC, em entrevista no final de 2002, afirma que no Brasil "a diferença entre pobres e ricos é muito grande" e que um dos caminhos para enfrentar o problema seria aumentar (o que não ocorreu em seu governo) o Imposto de Renda das pessoas físicas, hoje no limite de 27,5%, enquanto "na Europa vai a 30 e 40%". Mas acha que Lula acabou vencendo a eleição presidencial de 2002 com o "Paz e Amor": "Se você não tiver uma pitada de candomblé, algo de emoção, algo até de irracional, de explosivo em certas circunstâncias, você não se comunica." E, para ele, "na sociedade contemporânea, por causa da capacidade que você hoje tem de falar para milhões de pessoas, você sendo um bom ator", pode até "tentar se sobrepor às instituições". E Lula "é um bom ator", maior que o partido: "O PT não gorou (...), ficou um partido de massa (...), ainda é corporativista" e, no fundo, "defende interesses estabelecidos", quando o problema maior seria exatamente defender "esse tipo de gente que não tem representação". Por essa razão, "o perigo de um partido como o PT é ser defensor dos interesses estabelecidos". E "isso é complicado para a democracia". Esquematicamente, portanto, o que explicaria a aprovação do presidente seria essa defesa de interesses estabelecidos, seja em segmentos de menor renda, seja nos mais altos.
E que pensa disso tudo o atual presidente ? Sua entrevista é de novembro de 1995, um ano após a derrota para FHC. Ele começa criticando a taxa de desemprego na Grande São Paulo, de 13,4% (hoje está em 14,1%), a ausência de projetos para reforma agrária, critica o programa de socorro aos bancos, a dívida pública vigente, defende a reeleição (mas não para ocupantes de mandatos no momento da reforma), pensa que o mérito da estabilização econômica foi de Itamar Franco, não de FHC. E pede do governo FHC exatamente o que seus críticos lhe pedem hoje: ajuste fiscal, um "modelo de desenvolvimento" e uma reforma tributária que inclua alíquotas de Imposto de Renda de 5% a 50%, além de maior taxação sobre o lucro bruto das empresas. Porque, a seu ver, "não é distribuindo cesta básica que resolve o problema", já que o número de pobres continua a crescer. Sua conclusão: "No Brasil, as pessoas são eleitas para presidente e depois pensam que são rei. A pessoa pensa que o povo deu um cheque em branco."
Resta aos detentores do poder descobrir como transferir para sua candidata a aprovação do presidente. A seus opositores, formular políticas mais concessivas que as atuais, mas sem perder votos nos segmentos de baixo ou aprovação nos de cima.
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*Washington Novaes é jornalista - E-mail: wlrnovaes@uol.com.br