Meu rol de implicâncias 07/11/2009
- Mauro Chaves*
1) Hoje em dia recorrente é a palavra mais recorrente do discurso que se pretende inteligente - o que é tão implicante quanto já foi o abuso da palavra instigante.
2) Por falar em expressões implicantes - que têm um soar técnico para ouvidos desprovidos -, em grande moda está marco regulatório. Se é para definir o conjunto de normas que regulam o serviço público realizado por empresas privadas, por que não dizer, simplesmente, "regulamentação", ou "regras", ou mesmo "normas" - seja para energia, telefonia, pré-sal e o escambau?
3) Com o receio (bobo) de dar a impressão de que estão favorecendo mais a um time do que a outro, os locutores esportivos, de repente, passaram a referir-se aos jogos sempre duas vezes, cada vez iniciando com o nome de um dos dois times em disputa. Por exemplo: "Daqui a instantes estaremos transmitindo o jogo Corinthians-Palmeiras, Palmeiras-Corinthians", ou "o jogo São Paulo-Flamengo, Flamengo-São Paulo tem tudo para se tornar o melhor clássico do Brasileirão." Quem disse que o primeiro mencionado será favorecido? E por que não usar, simplesmente, a ordem alfabética dos times?
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4) Certas mudanças de expressão, adotadas um dia por não se sabe quem e depois transformadas em regras quase compulsórias na língua portuguesa, muitas vezes significam uma disparatada inversão lógica. De repente, por exemplo, ninguém mais diz que alguém está correndo "risco de vida", mas sim que está correndo "risco de morte". Que sentido tem isso? Risco de vida significa o perigo que a vida do cidadão está correndo, em razão de doença ou de acidente sofrido, que poderá levá-lo à morte. E risco de morte o que quer dizer? Seria o perigo de a morte não ocorrer - ou seja, o risco de alguém se tornar imortal? Talvez a expressão fosse apropriada nas academias ou na discussão de certas correntes existencialistas...
5) Eis outro tipo de inversão lógica, mais antiga: dizia-se, antigamente, que "alguém teve sorte" quando obteve alguma coisa boa. Depois passaram a dizer que "alguém deu sorte" em obter alguma coisa boa. Ora, no primeiro caso houve um recebimento e no segundo uma doação. Por que, então, dizer que alguém "deu", se na verdade "recebeu"?
6) A repetição de bordões (até bons) criados por apresentadores ou narradores esportivos famosos é feita exaustivamente, como se se tratasse da única maneira de se comunicar com telespectadores e ouvintes. Exemplos? Eis dois: "Daqui a pouco a gente volta." Ou: "Obrigado pelo carinho e pela audiência."
7) Há alguns anos, em determinado evento esportivo, uma cantora norte-americana cantou à capela o hino nacional dos Estados Unidos (The Star-Spangled Banner). Muitos ficaram encantados com a novidade - especialmente aqui, pois durante a ditadura militar era proibida até a execução, em concertos, da belíssima Grande Fantasia Triunfal Sobre o Hino Nacional Brasileiro, de Louis Moreau Gottschalk (1829-1869). A velha novidade norte-americana virou uma implicante moda no Brasil, com nosso Hino Nacional (que é lindo, apesar da letra muito longa e de construção complicada) cantado nos estádios à capela ou em ritmo de samba, axé e assemelhados - nada contra os ritmos, mas sim contra as desfigurações que se tornaram frequentes, até o desastre cometido por uma cantora a que o Brasil inteiro já assistiu pela internet. Por que não tocar e cantar o Hino Nacional, simplesmente, como ele é?
8) É implicante o jeito infantil com que certos políticos fazem "ultimatos" a seus próprios partidos, acreditando que serão escolhidos se derem um prazo curto para que o escolham. Quer dizer, então, que seus correligionários só se convencerão de suas reais qualidades se tiverem pouco tempo para julgá-las? Agora, por mais desgastada que esteja a imagem do Senado da República, chega a ser hilária a ameaça de, se seu partido não obedecer ao prazo exigido, candidatar-se a senador. Eta, ameaça danada, sô!
9) Foi implicante a assembleia ordinária da maior estatal brasileira que, ao fixar a remuneração de seu conselho de administração, colocou na ata apenas o valor global recebido pelo colegiado - oito milhões, duzentos e sessenta e seis mil e seiscentos reais -, o que significa a remuneração mensal de R$ 114.813,88 para cada um, entre os quais está a ministra-candidata. Está certo que algumas empresas fazem isso. Mas, no caso, não seria de interesse público uma transparência maior? Por que disfarçar, diluindo com a expressão "valor global", um ganhozinho módico para quem acumula tanto trabalho - de ministra, candidata, dirigente de estatal, fora os afazeres de mãe do PAC -, especialmente em se tratando de empresa que ganhará (como todos nós) rios de dinheiro com o fabuloso maná do pré-sal? A propósito, se o PAC nascer, de verdade, não seria justo o desfrute de uma licença-maternidade?
10) Em que país do mundo, que não seja uma república de bananas, uma instituição financeira banca "festa de posse" de um ministro de tribunal - e ainda justifica tal gasto como simples despesa de marketing? O que tem que ver o nobre exercício do poder jurisdicional do Estado, especialmente na mais alta Corte de Justiça do País, com os interesses de marketing de uma instituição financeira? E por que - se não se está numa república de bananas - é preciso fazer uma festa dispendiosa, com comes e bebes, pagos pelos contribuintes, para comemorar a posse de um magistrado num tribunal? E se está sobrando dinheiro na instituição financeira oficial, para que se disponha a fazer gastos que nada têm que ver com seu objeto social, por que não reduzir as taxas pagas por seus escorchados mutuários?
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*Mauro Chaves é jornalista, advogado, escritor, administrador de empresas e pintor E-mail:mauro.chaves@attglobal.net (wwww.artestudiomaurochaves.wordpress.com)