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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

Chávez vai à guerra
10/11/2009 - O Estado de S.Paulo

O grande erro que se pode cometer em relação ao caudilho bolivariano Hugo Chávez é não levá-lo a sério. Por mais que ele atraia o ridículo com as suas tiradas -- por exemplo, ao instruir os venezuelanos para não ficar sob o chuveiro mais do que 3 minutos, ou para usar lanternas, em vez de acender a luz, ao se levantar no meio da noite, ou ainda para não ligar o ar-condicionado --, seria temerário subestimar as suas bravatas e, pior ainda, os seus atos. Na última quinta-feira, depois de uma série de incidentes na fronteira com a Colômbia, infestada de guerrilheiros, traficantes e paramilitares, com sequestros, tiroteios e mortes, Chávez enviou 15 mil soldados para a região. A Venezuela só faltou romper as relações bilaterais quando o governo de Bogotá anunciou, em julho, um acordo militar com os Estados Unidos para defender o país do narcoterrorismo. O pacto foi assinado na semana passada.

Agora, na sua escalada contra o que propaga ser uma operação que visaria a assediar o regime dito bolivariano, Chávez aproveitou o seu programa domingueiro de rádio e TV, Alô, presidente, para trovejar ameaças. "Senhor comandante da guarnição militar, batalhões de milícias, vamos treinar", ordenou o coronel, falando explicitamente em preparar o país "para a guerra" com a Colômbia -- e, por tabela, com os Estados Unidos. "Estudantes revolucionários, trabalhadores, mulheres: todos preparados para defender esta pátria sagrada que se chama Venezuela." Numa alusão ao aumento da presença de tropas americanas em território colombiano (que não houve), acusou o governo do presidente Álvaro Uribe de ter-se "transferido" para Washington. Dirigindo-se a Barack Obama, pediu retoricamente que ele não se equivoque, ordenando "uma agressão à Venezuela", por intermédio da Colômbia.

A tentação de subestimar o belicismo chavista poderia ter o estímulo da lembrança de uma prática tão velha como o poder -- a da fabricação de inimigos externos, sobretudo por governos autoritários, para desviar a atenção dos governados de seus fracassos e reforçar os controles do regime sobre a população insatisfeita. A invocação do patriotismo, é o caso de parafrasear, é o último refúgio dos tiranos. No presente caso venezuelano, a alegação de que "o império" quer transformar a suposta matriz do socialismo do século 21 numa "colônia ianque" provavelmente não bastará para disfarçar as responsabilidades do chavismo pela recessão econômica e, em especial, pela escassez de água e de eletricidade. Essa, aliás, a razão de ser das patéticas diretivas do caudilho sobre a duração dos banhos de chuveiro e o uso de lanternas.


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Assentada sobre uma das maiores reservas de óleo do mundo, a Venezuela paga o preço da incompetência de Chávez em investir para recuperar a desmoronada infraestrutura nacional, enquanto desperdiçava bilhões de petrodólares, além da ideologia estatista que o fez nacionalizar, em 2007, o que ainda restava de empresas privadas no setor energético. Visto que essa crise não será superada tão cedo e que 2010 será ano de eleições legislativas no país, não há nenhuma razão para supor que os arreganhos chavistas ficarão restritos aos seus programas de auditório. Feita a escolha pelo estado de beligerância com a Colômbia, incidentes armados poderão surgir e se multiplicar a qualquer pretexto, com as proverbiais consequências imprevisíveis: na América Latina, guerras já foram travadas por motivos menos graves do que as ambições de Hugo Chávez e o seu medo de ver a maioria dos seus súditos se voltar contra ele.

Diante disso, parecem no mínimo ingênuas as esperanças de setores colombianos de que a Espanha ou o Brasil possam dissolver, pela mediação, o clima de conflito que convém a Caracas. O presidente Lula indicou dias atrás que acredita no abrandamento das tensões na área, a partir do entendimento direto entre Chávez e Uribe, na próxima reunião de presidentes dos países da região amazônica, no fim do mês, em Manaus. De seu lado, o assessor diplomático do Planalto, Marco Aurélio Garcia, sugeriu que eles firmem um pacto de não agressão -- como se alguma vez isso contivesse um déspota atraído por uma aventura militar. De mais a mais, o governo colombiano há de saber dos riscos políticos de aceitar como mediador o presidente brasileiro que, a pretexto de domesticar o venezuelano, age como seu aliado.

  

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