Talvez em nenhum outro campo a legislação brasileira seja tão burlada como no campo eleitoral. E, justiça se lhe faça, o governo Lula tem se esmerado em descobrir brechas e contornar proibições, deixando a Justiça eleitoral em dificuldade até para opinar - e a oposição com o mero direito de espernear. É o que acontece, por exemplo, quando o presidente Lula faz os mais espalhafatosos comícios, em pseudoinaugurações de obras, sempre acompanhado da candidata, ungida para lhe suceder, sob a justificativa de que a lei só proíbe a propaganda eleitoral, fora dos períodos previstos para isso, para os candidatos - e não para os pré-candidatos. E o que são pré-candidatos, além dos que assim podem ser designados quando estão a concorrer, no momento das convenções partidárias?
A legislação eleitoral proíbe expressamente - e já faz um bom tempo - qualquer tipo de entrega de brindes e doações para eleitores, como antes se costumava fazer, com bateladas de bonés, camisetas, bolsas, dentaduras e o que mais pudesse ser útil para eleitores, em retribuição pelos seus votos. Mas, não bastasse o programa Bolsa-Família, que em termos de eficiência eleitoral parece imbatível, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, está propondo a ele agregar a Bolsa-Celular, que seria a distribuição gratuita de mais de 11 milhões de celulares pré-pagos aos que já participam do programa Bolsa-Família. Assim, às vésperas de mais um ano eleitoral, o governo prepara a criação de mais um programa para beneficiar as camadas mais carentes da população.
Além do celular, o ganhador dessa utilíssima miçanga receberia, mensalmente, um crédito de R$ 7,00 para pagar o uso do aparelho. Todo o programa, segundo o ministro Costa, custaria às empresas de telefonia, num primeiro momento, R$ 2 bilhões, investidos em um período de dois anos. Mas esse custo seria compensado, porque o governo abriria mão do recolhimento do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel) sobre esses celulares. É que as empresas de telefonia recolhem anualmente, para o Fistel, R$ 13,42, relativos a cada celular em funcionamento, e mais R$ 26,83 na habilitação de cada novo telefone móvel. Por outro lado, as empresas ganhariam porque, além de expandir o número de clientes, teriam um aumento de receita - visto que há a expectativa de cada usuário agraciado gastar mais de R$ 7,00 por mês no celular. E a receita pode ser ainda maior, porque um celular dado a cada família pode ser apenas o começo... Logo serão dois.
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Em reunião que teve com o presidente Lula, para apresentar o novo projeto de captação de votos, o ministro viu no presidente plena receptividade - e poderia ser diferente? Além do mais, há empresa de telefonia móvel que já concordou com o esquema e quer participar dele. A Bolsa-Celular segue a política pública "bolsista" do governo - cujo produto anterior, lançado na semana passada, foi o Seguro-Funeral, destinado a cobrir gastos com o enterro dos participantes do programa Bolsa-Família.
Como não poderia deixar de ser, a proposta foi criticada por parlamentares. O presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, deputado Eduardo Gomes (PSDB-TO), afirmou que o governo deveria concentrar seus esforços na massificação da banda larga, que ainda é restrita no País, e não em um serviço que já foi universalizado, como o celular. "Hoje temos quase 170 milhões de celulares e no fim do ano chegaremos a praticamente um celular por habitante", concluiu. Já o deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC) também criticou a ideia, indo diretamente ao ponto quando observou: "Isso cheira a processo eleitoral. É mais uma série do bolsa-voto. Não é bom para a Democracia." E ele lembrou que o Fistel foi criado para sustentar a fiscalização do setor de telecomunicações, mas menos de 10% dos recursos arrecadados ficam com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Ainda falta algum tempo para as eleições, o que significa que ainda há prazo suficiente para o lançamento de outros programas inovadores, com a doação, aos cidadãos eleitores, de benesses suficientemente úteis para lhes incutir o verdadeiro espírito de cidadania, expresso no ato de votar - desde que seja em favor da candidata do governo, é claro.