O derretimento de Copenhague 17/11/2009
- O Estado de S.Paulo
Capitaneados pelos presidentes dos Estados Unidos e da China, Barack Obama e Hu Jintao, líderes de 21 países que despejam na atmosfera terrestre 60% das substâncias responsáveis pelo aquecimento global decidiram domingo, numa reunião em Cingapura, que a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, marcada para dezembro em Copenhague, deverá terminar sem um novo tratado internacional com metas compulsórias de redução das emissões dos chamados gases estufa - o objetivo original do evento. Em seu lugar, os 192 governos participantes assinariam uma declaração de intenções "politicamente vinculante" sobre diretrizes gerais de ação, cujo detalhamento ficaria para uma nova conferência, provavelmente na Cidade do México, no final de 2010.
Três dias antes, um até então indeciso governo brasileiro comunicou que até 2020 o País reduzirá voluntariamente entre 36,1% e 38,9% as emissões projetadas para o próximo decênio. Como isso se fará exatamente em cada setor envolvido, a que custos e sob quais controles não foi explicado. Mas o anúncio da iniciativa - a mais ousada de uma nação emergente - bastou para que as organizações ambientalistas saudassem o surgimento de "um novo líder global" em matéria de políticas de proteção ao planeta. "O Brasil quebrou um tabu", exultou um ecologista. Com o derretimento das esperanças de que um acordo em Copenhague virasse a página de fracassos do Protocolo de Kyoto, de 1997, que os Estados Unidos se recusaram a ratificar e outras potências poluidoras descumpriram, a posição adotada pelo presidente Lula - depois de muita relutância - poderá promovê-lo a campeão mundial da luta contra a degradação climática.
Autoridades brasileiras se disseram surpresas com o retrocesso de Cingapura. Surpresa, no entanto, seria o oposto do que ali ocorreu. Desde a conferência anterior da ONU, em Bali, há dois anos, em nenhum momento se vislumbrou a possibilidade de um acordo substantivo entre os países desenvolvidos e os demais sobre a parte que tocaria a cada qual na empreitada de impedir a elevação média da temperatura da Terra. A Índia, por exemplo, se recusa até mesmo a fixar um prazo para estabilizar o crescimento de suas emissões. A China acena com "reduções notáveis", mas não menciona volumes nem datas. Nos Estados Unidos, a oposição republicana no Senado faz o que sabe para emperrar a tramitação do projeto da Casa Branca que prevê um corte de 17% sobre o nível atual de emissões. Não há hipótese de que o impasse no Capitólio se desfaça até o início da reunião de Copenhague, em 7 de dezembro.
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As potências econômicas tampouco aceitam a ideia de pagar a conta dos programas de defesa do clima no mundo em desenvolvimento - uma fatura da ordem de US$ 150 bilhões. E a crise econômica acentuou as resistências entre desenvolvidos e emergentes à assinatura de um tratado abrangente e compulsório de combate ao aquecimento global. No sábado, enquanto o presidente Lula e o seu colega francês Nicolas Sarkozy, reunidos em Paris, anunciavam uma proposta conjunta para que os países industrializados se comprometessem a reduzir as suas emissões em pelo menos 80% até 2050, em Cingapura caía o projeto da ONU de uma meta mundial de 50% no mesmo período. Lula chegou a dizer, do alto da sua soberba, que telefonaria a Obama e Jintao para cobrar deles uma atitude mais construtiva em favor de Copenhague, no lugar de um hipotético acordo climático bilateral.
O que os brasileiros devem cobrar do presidente, agora que ele passou a ostentar por toda parte as suas recém-adquiridas credenciais ambientalistas, é que até o fim do seu mandato o governo detalhe as ações que permitam cumprir as metas fixadas na última sexta-feira, os respectivos prazos de execução e as fontes de financiamento do programa. Mais ainda, para provar que fala sério, Lula deveria patrocinar a inclusão dessas metas no projeto da Política Nacional de Mudanças Climáticas em tramitação no Senado. Por fim, o governo precisa responder a uma singela e crucial questão. Se o mais recente inventário oficial das emissões brasileiras de gases estufa data de 1994 - e considerando as enormes mudanças que a economia nacional vem experimentando desde então -, não se imagina qual possa ser a base de cálculo das emissões futuras sobre as quais incidirá a prometida redução de até 38,9%.