Convescote em Genebra 28/11/2009
- O Estado de S.Paulo
Ministros de 153 países terão uma boa oportunidade para comprar chocolates, canivetes e relógios suíços, nesta virada de mês. Pela primeira vez, desde o lançamento da Rodada Doha, há oito anos, a OMC promoverá em Genebra, entre segunda e quarta-feira, uma conferência ministerial sem negociações. Com realismo, o diretor-geral, Pascal Lamy, evitou o risco de mais um fracasso. Preparou uma pauta politicamente mais leve, dedicada a uma reflexão sobre o sistema de comércio, o papel da organização, o quadro econômico geral e - por que não? - as perspectivas da, até agora, mais ampla, mais ambiciosa e mais frustrante negociação comercial da história, concebida como a Rodada do Desenvolvimento.
"A melhor coisa que os governos dos 153 membros da OMC poderiam fazer para fortalecer o sistema multilateral de comércio e para ajudar a superação da crise que a todos afeta seria concluir a Agenda Doha de Desenvolvimento", afirmou Lamy numa carta aos jornalistas. "Não há um só ministro, entre os que virão a Genebra na próxima semana, que não partilhe o desejo de concluir o mais cedo possível uma Rodada Doha ambiciosa e voltada para o desenvolvimento."
A primeira afirmação é obviamente correta. A segunda, na melhor das hipóteses, é discutível. Nem todos os governos têm mostrado grande interesse na conclusão das negociações. O exemplo mais notório é o americano. Desde a posse do presidente Barack Obama, a Casa Branca deixou de incluir entre suas prioridades a liberalização do comércio global. A pouca importância atribuída ao assunto foi demonstrada até pela escolha do novo negociador, Ron Kirk, um político sem a mínima bagagem para esse tipo de trabalho.
PUBLICIDADE
Mas esse é apenas um indício da orientação escolhida pelo presidente Obama. Ele vem cumprindo fielmente os compromissos de campanha assumidos com os grupos mais protecionistas, como os setores beneficiados pelos subsídios agrícolas, grupos sindicais quase sempre contrários à abertura comercial e segmentos industriais menos competitivos.
O presidente democrata nem sequer se dispôs a eliminar as subvenções aos produtores de algodão condenadas pelos juízes da OMC. Preferiu apostar na diferença de forças e deixar ao Brasil, autor do processo, a decisão de impor a retaliação permitida pelas normas internacionais.
Obama nunca deixou, nas reuniões de cúpula do G-20, de incluir entre as prioridades da economia global a conclusão da Rodada Doha, se possível até o fim de 2010. Em todas as declarações conjuntas publicadas no fim dos encontros esse objetivo foi mencionado. Mas a atitude americana tem sido, na gestão democrata, a menos favorável ao avanço das negociações. Sem dar sinal de qualquer nova concessão no comércio agrícola, o governo dos Estados Unidos tem cobrado maior abertura do Brasil e dos outros emergentes no comércio de bens industriais.
Nas últimas tentativas de romper o impasse da rodada, o governo brasileiro havia até acenado com ofertas melhores para facilitar o entendimento. Mas essa atitude não tem sentido, agora, diante da pouca disposição negociadora exibida pela diplomacia americana.
Além disso, o governo dos EUA tem mostrado interesse em reabrir o conjunto das negociações, anulando os acordos parciais alcançados até o ano passado em relação a vários tópicos importantes. Não interessa ao Brasil, nem à maioria dos outros envolvidos na rodada, jogar fora oito anos de trabalho e recomeçar do zero. Os objetivos iniciais de uma ampla negociação voltada para o desenvolvimento foram apenas parcialmente alcançados até agora. Se fosse necessário reiniciar a discussão, os governos dos países ricos teriam ocasião para mudar o rumo dos trabalhos e incluir na pauta novos temas contrários aos interesses dos países em desenvolvimento, como cláusulas sociais e barreiras ambientais.
O último impasse ocorreu na gestão republicana, mas não se pode acusar o governo do presidente George W. Bush de não haver tentado, em várias ocasiões, aproximar os interesses para se chegar a um entendimento. O governo Obama nem sequer demonstrou, até agora, efetivo interesse pela liberalização do comércio global. Se algum sinal diferente surgir nos próximos dias, será uma surpresa.