Salto alto na economia 01/12/2009
- Ilan Goldfajn*
Analogias futebolísticas andam em voga. A minha é a seguinte: o time finalmente assumiu a liderança, após anos de reformulações e várias rodadas de vitórias, mas a diretoria flerta com uma mudança do esquema tático. A torcida não percebe, os patrocinadores duvidam, mas os jogadores sentem mudanças nos treinos. Na economia, o contexto é favorável ao Brasil: mais investimentos e crescimento a caminho. Eleições por aqui e incerteza no mundo. O momento é de serenidade, não de experimentação.
Há momento para tudo. Estimular quando é preciso, restringir quando há exagero. A economia está crescendo a 8% ao ano (anualizando o crescimento dos últimos dois trimestres) e os contratos futuros indicam juros subindo para conter o excesso. As últimas medidas de estímulo (isenções fiscais e novas capitalizações), por não se sintonizarem com o momento, colocam dúvidas sobre se o "esquema tático" será mudado. As medidas para evitar um possível exagero no câmbio (denominado overshooting, ou simplesmente bolha), se necessárias, devem ter o cuidado de evitar colocar dúvidas sobre o regime de câmbio flutuante, um dos pilares macroeconômicos atuais.
Colocar dúvidas neste momento é muito custoso. O time lidera. Há muito em jogo. Afinal, o Brasil alcançou credibilidade e estabilidade que lhe permitiriam investir e crescer mais rápido nos próximos anos. Evidente que há muita incerteza tanto globalmente quanto no Brasil. Mas, paradoxalmente, é mais fácil considerar o cenário de longo prazo (dez anos) que o dos próximos anos. Ajuda a organizar os possíveis caminhos. No cenário básico o Brasil investe, cresce mais.
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Há razões objetivas para acreditar que, na ausência de alteração de rumo, o investimento pode crescer de forma intensa, retomando a trajetória crescente dos últimos anos, interrompida pela crise em 2009. Não é difícil projetar que o investimento como proporção do produto interno bruto (PIB) possa atingir valores próximos a 22% já nos próximos anos. As razões são várias:
Contexto global que favorece investimentos em economias emergentes com elevado potencial de crescimento do seu mercado consumidor (o mundo "em busca do consumidor final de última instância" para substituir o americano);
mercado doméstico no Brasil impulsionado pelo crescimento da sua classe média, que tende a ter uma propensão maior a consumir;
manutenção da tendência de queda dos juros reais, favorecendo o investimento, principalmente no mercado imobiliário;
compromisso com os investimentos necessários para a Olimpíada de 2016 (nosso exercício estima um impacto da Olimpíada em torno de 0,7% do PIB nos quatro anos antes do evento);
investimentos para o pré-sal (estimamos em torno de US$ 55 bilhões nos próximos dez anos);
investimentos para a Copa do Mundo.
Em suma, é muito compromisso com investimento adicional no Brasil, e condições globais e locais para tal façanha. O investimento poderia até ser maior (25% do PIB?), mas a atual capacidade ociosa global em indústrias manufatureiras básicas e essas dúvidas recentes de alguns investidores sobre a continuidade dos pilares das políticas econômicas podem reduzir o ímpeto.
A perspectiva de elevação dos investimentos no Brasil tem duas consequências importantes. Em primeiro lugar, um maior volume de investimentos deve elevar o crescimento potencial brasileiro para algo próximo de 5% ao ano ao longo do horizonte de previsão, acima dos 4%-4,5% que a maioria dos analistas tende a embutir no planejamento dos seus negócios nos próximos anos. Claro que o crescimento efetivo pode superar o potencial em 2010, já que o Brasil cresceu abaixo do potencial neste ano: estimamos crescimento de 5,5% ou acima em 2010. Mas, ao longo dos anos, o crescimento converge para o potencial. O crescimento no Brasil vai beneficiar-se do aumento dos investimentos.
A segunda consequência da elevação do investimento é uma maior necessidade de financiamento (poupança). Inevitavelmente, o financiamento terá de vir de uma combinação dos seguintes fatores:
Aumento do financiamento externo, pela elevação do déficit nas contas externas;
e alguma elevação da poupança doméstica em função do desejo de substituir, em parte, o financiamento externo por uma elevação da poupança pública (a partir de 2011?).
Acreditamos que, dada a dificuldade de elevar a poupança pública de forma considerável, a maior parte do acréscimo dos investimentos deve ser financiada pela poupança externa. O déficit em transações correntes pode mostrar uma trajetória de elevação dos atuais 1,2% do PIB até quase 5%, em 2016, e, a partir daí, voltar a convergir para um valor próximo a 3,5% do PIB, à medida que o efeito dos eventos esportivos perca força e as receitas do pré-sal comecem a ingressar na balança comercial. Consistente com esse déficit nas contas externas, o câmbio mantém-se próximo do atual 1,7 em termos reais.
Neste cenário básico, o Brasil deve crescer em torno de 5% (mas com financiamento externo e câmbio apreciado). Mas ainda há muita incerteza no horizonte. Esse cenário pode não se materializar diante de alterações nos pilares básicos da economia. O investimento seria menor, assim como o crescimento. Um cenário com ajuste fiscal maior, ao contrário, pode elevar ainda mais o investimento e a taxa de crescimento da economia.
O Brasil pode dar um salto alto nas suas perspectivas econômicas nos próximos dez anos. Mas tem de evitar o outro salto alto, aquele que o torcedor sabe que derruba os melhores times e as melhores perspectivas. Continuo acreditando na racionalidade e nas decisões corretas no final. É muito custoso desviar de um cenário tão positivo.
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*Ilan Goldfajn é economista-chefe do Itaú Unibanco