Graves vulnerabilidades na diplomacia e defesa 19/12/2009
- Luiz Eduardo Rocha Paiva*
O Brasil é visto como potência emergente no campo econômico e adquiriu peso político para ser ouvido globalmente. Essa ascensão implica assumir responsabilidades e gera novas necessidades para o País que o colocarão em rota de colisão com atores poderosos, particularmente EUA, China, Rússia, União Europeia e Japão - eixo do poder que conduz os destinos do mundo -, todos eles potências nos campos político, econômico, militar e científico-tecnológico. O crescente poder econômico nos faz ser ouvidos, mas não basta para sermos acatados.
Potências são países com capacidade para defender a soberania, o patrimônio e a integridade territorial contra ameaças estrangeiras, projetar-se externamente para garantir interesses importantes e participar com autoridade de decisões em fóruns internacionais. Existem condições que contribuem decisivamente para lograr tal status. Vasto território rico em recursos naturais e uma grande população. Poder econômico, militar e científico-tecnológico. Permanência de políticas e estratégias durante sucessivos governos para a consecução dos objetivos fundamentais, condição difícil em países divididos por ideologias, etnias e religiões inconciliáveis. Educação integral - conhecimento, cultura, ética e civismo -, raiz da coesão nacional e de uma liderança com visão estratégica e autoridade moral dentro e fora do país.
A liderança brasileira manifesta o propósito de ombrear o País ao eixo do poder, mas não garante a constância dos recursos orçamentários para fortalecer as Forças Armadas, de modo a reduzir oportunamente o hiato com as potências do eixo nos campos militar e científico-tecnológico. O Brasil poderá viver em curto e médio prazos conflitos em que, por não dispor de poder militar para respaldar intenções do Estado, terá de limitar ou abdicar de interesses importantes ou, então, buscar alianças para defendê-los, com o inconveniente de que elas cobrarão um preço elevado. Mas essa não é a nossa única vulnerabilidade.
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O Brasil ainda é um país em formação, pois falta integrar a imensa Amazônia, área de enorme valor por sua riqueza e posição geoestratégica, onde a plena soberania será fator determinante para nossa inclusão no eixo do poder. A liderança brasileira, sem visão de futuro, não entende que interessa àquele eixo compartilhar a soberania sobre a Amazônia não só pelos seus recursos e sua posição, mas também para impedir a ascensão do Brasil como potência rival. Assim, submete-se à pressão internacional exercida por meio de uma estratégia indireta, progressiva e velada, particularmente na questão indígena, e adota políticas que comprometem a soberania e o patrimônio amazônico. Mas essa não é a nossa última vulnerabilidade.
As relações internacionais são como um teatro de operações onde a batalha é pelo poder. É correto dizer, ao contrário de Clausewitz, que a política é a continuação da guerra por outros meios. A derrota nesse jogo tem um custo elevado para um Estado, desde a perda de status internacional até o seu próprio desaparecimento - vide Roma na Antiguidade e Reino Unido, Alemanha e URSS no século 20. Portanto, é natural priorizar o realismo pragmático sobre o idealismo em política exterior. Tal desequilíbrio aumentou graças ao egocentrismo, materialismo, consumismo e prepotência, antivalores em voga transmitidos do indivíduo para a nação e daí para as estratégias nas relações entre países, sempre com prejuízo dos mais fracos.
Há um anseio mundial pela valorização do humanitarismo, com ênfase em justiça e solidariedade, no sentido de reduzir as grandes diferenças entre nações ricas e pobres. Abre-se o espaço para um discurso idealista-realista de uma potência emergente que, preservando o interesse nacional, atraia o apoio às suas demandas pelo expressivo universo de países periféricos dos fóruns internacionais, bem como ponha os países mais fortes na defensiva. Não é um seguro total contra as potências do eixo, mas limita-lhes a liberdade de ação parcialmente, enquanto a potência emergente reduz suas vulnerabilidades.
A liderança nacional está inviabilizando a ocupação desse espaço por conduzir a política exterior pela linha ideológica socialista radical e jurássica do Foro de São Paulo, subordinando interesses nacionais aos partidários, e pelo discurso dúbio, que acerta ao condenar a prepotência e falta de solidariedade do eixo do poder, mas perde credibilidade ao endossar regimes ditatoriais que sufocam a liberdade, amordaçam a imprensa, prendem, torturam e matam opositores. Peca pela parcialidade mal disfarçada no conflito entre Colômbia e Venezuela, instando por moderação aos respectivos presidentes quando está claro que as provocações e ameaças partem do aliado Hugo Chávez. Erra ao interferir em Honduras desastradamente, recebendo contundentes respostas do povo hondurenho nas urnas, do Congresso e da Suprema Corte do país ao confirmarem a deposição de Manuel Zelaya. Mera incoerência ou hipocrisia?
Mas a maior vulnerabilidade é a enfermidade moral do País. A liderança é patrimonialista e se apodera ilegalmente dos bens públicos como se fossem de sua propriedade. Apoia-se na impunidade e na omissão da sociedade, que, sem esperança na Justiça, também assume a falta de ética e valores. Sociedade carente de exemplos e referências que, anestesiada, se contenta com a satisfação de necessidades básicas e a falsa noção de liberdade, que usa sem responsabilidade e disciplina, tornando-a um bem ilusório. Tudo isso debilita a coesão nacional e a autoridade moral de nossa liderança, condições para inserir o Brasil no cenário dos conflitos onde reina o eixo do poder. Só um choque de valores e um sistema educacional moral e profissionalmente recuperado poderão sanar essa gravíssima vulnerabilidade.
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*Luiz Eduardo Rocha Paiva, general da reserva, é professor emérito e ex-comandante da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército