Pouco mais que nada 02/01/2010
- O Estado de S.Paulo
Pelo menos para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a aprovação pelo Congresso do projeto que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima teve uma grande utilidade política. Com base no texto aprovado no final de novembro, Lula pôde anunciar na conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, realizada no início de dezembro em Copenhague, que o Brasil estabeleceu a meta de reduzir entre 36,1% e 38,9% das emissões de gases poluentes até 2020. "Não é uma proposta para barganhar. É um compromisso", garantiu à plateia internacional.
Não é certo, porém, que o texto sancionado na terça-feira pelo presidente tenha outra consequência prática além de seu uso político por Lula perante autoridades de todo o mundo, pois a lei não estabelece a obrigatoriedade do cumprimento da meta. Trata-se de uma meta voluntária, que espertamente a senadora Ideli Salvatti (PT-SC) introduziu, por meio de emenda, no texto então em discussão no Senado, para evitar que a senadora Marina Silva (PV-AC), ex-ministra do Meio Ambiente e agora adversária do governo, apresentasse emenda mais dura, que transformaria a redução de gases poluentes em compromisso legal e compulsório.
Na ocasião, o sucessor de Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente, Carlos Minc, teve de jogar com as palavras para tentar justificar o caráter voluntário da meta. "Se não cumprir, será uma desmoralização total e absoluta", afirmou. Pode ser. Mas o descumprimento, se ocorrer, só será constatado na prática em 2020, quando o governo Lula - e a gestão de Minc no Ministério - já terá terminado há uma década e poucos se lembrarão do que ele prometeu.
PUBLICIDADE
"Na minha cabeça, a palavra "voluntário" não significa que o compromisso não seja obrigatório, diz apenas que a motivação é autônoma", disse Minc, tentando dar um salto tríplice mortal na semântica. Mas o que o ministro pensa não coincide com os dicionários. Voluntário é o que age espontaneamente, o que faz por vontade própria, sem coação. É exatamente isso que significa a expressão inserida na lei.
"Inventamos uma lei cujo cumprimento é voluntário", observou ao Estado o diretor de campanhas da organização Greenpeace no Brasil, Sérgio Leitão. "É mais uma bobagem para o velho festival de besteiras que assola o País."
Em resumo, com relação à redução das emissões, a lei não garante nada e, por isso, seus efeitos práticos podem ser nulos. Há outros pontos vagos. Entre os princípios da Política Nacional sobre Mudança do Clima estão a participação cidadã, o desenvolvimento sustentável e, no plano internacional, a assunção de "responsabilidades comuns, porém diferenciadas".
As medidas que vierem a ser tomadas no âmbito dessa política devem ser motivadas por "razoável consenso por parte dos meios científicos e técnicos" e levar em conta "os diferentes contextos socioeconômicos", distribuindo os encargos "de modo equitativo e equilibrado".
A lei, como reconheceu a secretária de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, Suzana Kahn Ribeiro, "traça diretrizes gerais, é um plano de voo". Por isso, durante a tramitação do projeto, o governo evitou a inserção no texto de definições mais precisas.
Agora, o governo vai concentrar forças na regulamentação. "Nossa preocupação é como fazer que tais compromissos sejam materializados", disse Suzana Kahn. Mas o fato é que a regulamentação não pode fazer mais do que a lei - e a lei pode muito pouco. Há uma certa pressa no Ministério em concluir a regulamentação. O objetivo é que tudo esteja pronto até março - quando, não por coincidência, os ministros que pretenderem disputar as eleições deverão deixar o cargo.
Os vetos do presidente ao texto aprovado pelo Congresso - entre os quais um motivado por uma questão técnica de natureza jurídica e outro que se destinou a retirar o que o governo considerou limitação excessiva ao uso de combustíveis fósseis na geração de energia - conservaram o caráter meramente indicativo dos principais dispositivos da lei. Por isso, se serviu para dar lustro ao discurso de Lula em Copenhague, a lei não bastará para sustentar a posição brasileira na conferência marcada para a Cidade do México em 2010. O Brasil, como observou o diretor do Greenpeace, terá de mostrar mais do que boas intenções.