O papel da China em 2010 04/01/2010
- O Estado de S.Paulo
Principal motor da economia mundial em 2009, a China poderá crescer 9% em 2010 e continuar sustentando o mercado de produtos básicos -- uma bênção para os grandes exportadores de alimentos e minérios, como o Brasil. Mas a economia chinesa poderá ser também uma fonte de problemas para o resto do mundo. Já se fala abertamente numa bolha imobiliária e no risco de um estouro em 2010, se o governo demorar a intervir. Além disso, o yuan subvalorizado continuará garantindo uma importante -- e desleal, na opinião de governos e empresários de outros países -- vantagem competitiva aos exportadores chineses. A indústria brasileira será uma das prejudicadas, também no Mercosul e no mercado interno, por essa concorrência.
A China também foi afetada pela crise, mas entrou logo em recuperação. De janeiro a setembro seu PIB foi 7,7% maior que nos três primeiros trimestres de 2008. A recuperação acelerou-se nos meses seguintes. Em novembro, a produção industrial foi 19,2% superior à de um ano antes. O valor das exportações do país, até novembro, foi 18,8% menor que o de igual período de 2008, por causa da retração nas maiores economias, mas já há sinais de recuperação e perspectiva de maior dinamismo em 2010.
Se depender do câmbio, essa perspectiva será confirmada. "Não cederemos a nenhuma pressão para valorizar", disse o primeiro-ministro Wen Jiabao numa entrevista divulgada no domingo pela agência oficial Xinhua. "Como tenho dito a meus amigos estrangeiros: de um lado, vocês pedem a valorização da moeda, de outro, tomam todos os tipos de medidas protecionistas", acrescentou.
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Os governos das economias mais avançadas há muitos anos pressionam as autoridades chinesas para mudar sua política de câmbio. O governo chinês admitiu pequenas alterações a partir de 2005, mas desde o início da crise voltou a depreciar o yuan, vinculando informalmente o valor da moeda à cotação do dólar. Isso aumentou a vantagem competitiva da indústria chinesa em relação à maior parte do mundo, incluído o Brasil.
Há quem admita, no entanto, a possibilidade de uma política mais conciliatória nos próximos meses, para tornar o ambiente mais amistoso na reunião de cúpula do Grupo dos 20, marcada para junho. Além disso, uma alteração de política em data mais próxima da conferência poderia ser interpretada internamente como rendição às pressões estrangeiras, segundo analistas.
A retomada das exportações chinesas não dependerá, no entanto, apenas das vantagens competitivas especiais da indústria local. Dependerá também da recuperação da demanda nas maiores economias, como a americana e a europeia. O ritmo e a sustentabilidade dessa recuperação permanecem sujeitos a grande incerteza.
Essa dúvida é importante não só para os chineses. Quanto mais lenta a reativação das principais economias desenvolvidas, maior será o empenho dos exportadores chineses, certamente apoiados por seu governo, e maiores as dificuldades encontradas pelos industriais do Brasil e de outros países.
Mas o governo chinês terá importantes problemas internos para resolver no começo de 2010. Será preciso conter o superaquecimento da economia. O primeiro-ministro Wen Jiabao admitiu, na entrevista divulgada pela agência Xinhua, preocupação com a rápida expansão do crédito e com a elevação dos preços de imóveis. Ainda não há sinais de inflação, disse o primeiro-ministro, mas o governo deve manter-se vigilante. Essa avaliação coincidiu, basicamente, com a opinião exposta pelo economista-chefe do banco Crédit Suisse na Ásia, Dong Tao, numa entrevista à rede americana CNN. "A China foi a primeira economia a superar a recessão. Será natural o banco central chinês ser o primeiro, entre os bancos centrais das maiores economias, a apertar (a política monetária)", disse o economista.
Como Wen Jiabao, ele mostrou preocupação com os preços dos imóveis, mas sua linguagem foi mais direta. Dong Tao falou claramente sobre uma bolha pronta para estourar e chamou a atenção para um detalhe menos conhecido -- o envolvimento de companhias industriais na especulação com terrenos. "Vimos isso no Japão nos anos 80. A China, espero, não repetirá os erros cometidos pelo Japão há 20 ou 30 anos", disse o economista. O resto do mundo também espera.