A nova era das matérias-primas 05/01/2010
- O Estado de S.Paulo
A era da informática, da economia do conhecimento e da globalização financeira é também uma nova era de corrida aos recursos naturais ? aos solos férteis e aos territórios ricos em minérios, como nos velhos tempos do colonialismo. A corrida, agora, é liderada não por uma das antigas potências imperialistas, mas por um gigante emergente, a China. Empresas de outros países em rápido crescimento, como Índia e Coreia do Sul, também estão atrás de novas fontes de suprimento de produtos básicos. É claro que grupos europeus e americanos têm participado da corrida, com grandes investimentos em terras e em empresas do agronegócio. Cerca de um quinto da moagem de cana no Centro-Sul do Brasil será realizada este ano por estrangeiros, segundo estimativa da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica).
Em 2009 a economia chinesa deve ter crescido cerca de 8%, segundo as estimativas correntes até o fim do ano. Em 2010 deve expandir-se uns 9%, se o seu dinamismo não for prejudicado pelos ajustes no crédito e nas contas públicas, necessários para compensar os fortes estímulos fiscais e monetários adotados na pior fase da crise internacional.
De toda forma, China terá de continuar devorando volumes enormes de matérias-primas e bens intermediários para continuar sustentando o ritmo de crescimento e de modernização dos últimos 10 anos.
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É uma boa perspectiva para os grandes fornecedores de minérios, de bens intermediários e de alimentos, como o Brasil, mas é parte da estratégia chinesa ganhar mais poder sobre as fontes de suprimento.
Na semana passada, o Grupo Shunde Rixin, exportador têxtil, montador de veículos e minerador, confirmou a aplicação de 13 bilhões de yuans, equivalentes a US$ 1,9 bilhão, na compra de 70% do capital de uma grande mina chilena situada a mil quilômetros ao norte de Santiago.
A exploração e a operação comercial serão desenvolvidas com a assistência da China Minmetals. A mina poderá fornecer, a partir de 2014, cerca de 120 milhões de toneladas de minério, um terço das atuais necessidades da China. A ideia é reduzir a dependência dos grandes fornecedores brasileiros e australianos.
Os grandes consumidores chineses de matérias-primas voltam-se agora para a América do Sul, depois de cuidar principalmente, durante alguns anos, de conquistar fontes de suprimento na África. A agenda de negociações tem incluído a busca de parcerias com empresas do Brasil, da Argentina e da Venezuela.
A garantia de fornecimento é apenas um dos objetivos dos investidores -- mas é provavelmente o de maior significado estratégico. Para uma parte dos aplicadores, como os participantes e dirigentes dos grandes fundos, produtos básicos são semelhantes a quaisquer ativos financeiros. Quando há muito dinheiro no mercado e os juros são muito baixos, vale a pena investir em estoques de matérias-primas, como soja, trigo, minério de ferro ou petróleo. Esse foi um dos fatores de valorização dos produtos básicos antes do agravamento da crise financeira.
Mas a procura de matérias-primas também tem sido estimulada pela perspectiva da procura crescente nos próximos anos. As mudanças econômicas e sociais nas economias emergentes -- a China é só o exemplo mais notório -- deverão sustentar, por vários anos, a tendência de bons preços para os produtos agrícolas e para os minérios. É esse o principal ponto de referência da estratégia chinesa. Os chineses têm investido no exterior, mas o acesso a fontes de produtos básicos foi o principal objetivo da aplicação de cerca de US$ 94 bilhões, nos últimos dois anos, em compras e fusões.
O governo brasileiro tem dado muita atenção às possibilidades de exploração do pré-sal, mas parece não haver percebido claramente a importância estratégica do agronegócio. O Brasil já é um dos maiores exportadores agrícolas e um dos produtores mais eficientes. Pode ocupar uma posição diferenciada como fornecedor de alimentos a esse novo mercado em formação.
Mas, para garantir essa condição, o País deverá investir mais na modernização da atividade e na infraestrutura necessária ao setor. Isso não será conseguido com demagogia nem com políticas contrárias à expansão de um agronegócio moderno e eficiente.