Hidrovias esquecidas 18/01/2010
- O Estado de S.Paulo
Mesmo que seja concluído este ano, o Plano Hidroviário Estratégico, em preparação pelo Ministério dos Transportes em parceria com o Banco Mundial (Bird), chegará tarde, pois não haverá mais tempo para que comece a sair do papel antes do fim do mandato do atual presidente da República. Mas, juntando-se à coleção de ideias, algumas boas, que o governo Lula não conseguiu transformar em ações práticas por incompetência gerencial, terá pelo menos uma serventia: mostrar quanto o País continua atrasado na utilização do transporte hidroviário.
Depois de ignorada pelas autoridades durante duas décadas, essa modalidade de transporte volta a receber a atenção de um governo que, para dinamizá-la, quer estabelecer um planejamento estratégico como já existe para outras modalidades, conforme reportagem publicada pelo jornal Valor. Planos e projetos isolados existem muitos, desde o tempo em que o transporte hidroviário era administrado pela Portobrás, estatal extinta em 1990, no governo Collor. Desde então, porém, faltam recursos para estimular o uso desse meio de transporte - reconhecido pelo próprio governo como o mais adequado, em termos econômicos e ambientais, para a movimentação de boa parte da carga de granéis e minérios destinados à exportação - e falta um planejamento adequado.
Há dois anos, a equipe técnica do Ministério dos Transportes, com a colaboração do Ministério da Defesa, concluiu a atualização do Plano Nacional de Logística de Transportes (PNLT), o mais sério e abrangente trabalho de um governo sobre o tema desde 1986.
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O PNLT previu investimentos de R$ 12,8 bilhões no transporte hidroviário entre 2008 e 2023, uma quantia muito expressiva se comparada com o valor reservado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) - órgão do Ministério dos Transportes que cuida das hidrovias - para investimento nessa modalidade em 2010, de apenas R$ 502 milhões. Mas esse valor representa apenas 7,4% do total previsto pelo PNLT. Como respondem por 58% da matriz de transportes do País (a ferrovia é responsável por 25% e a hidrovia, por 13%; os dutos e o transporte aéreo respondem pelo restante), as rodovias receberão a maior fatia dos investimentos, que serão aplicados em projetos de manutenção, modernização ou ampliação da malha.
A hidrovia tem inúmeras vantagens sobre as demais modalidades. É o meio mais indicado para o transporte de produtos que não tenham urgência, como granéis e minérios. Exige menos investimentos do que rodovias e ferrovias, consome menos combustível no transporte da mesma carga por uma mesma distância do que as outras modalidades - e, por isso, é menos poluente - e facilita o transbordo de carga para trens ou caminhões. "Sob certas condicionantes e para determinados fluxos de carga, os fretes hidroviários e ferroviários podem ser 62% e 37%, respectivamente, mais baratos do que os fretes rodoviários", diz o PNLT.
O Brasil tem 15 mil quilômetros de rios e lagos utilizados para transporte, segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Investimentos adequados poderiam elevar a rede hidroviária para 40 mil quilômetros apenas nas bacias mais relevantes.
A transformação do Centro-Oeste numa grande região produtora de grãos para exportação tornou ainda mais necessária a expansão do sistema hidroviário, para o escoamento da produção pelos portos do Norte ou do Nordeste. Para o diretor-geral da Agência Nacional de Águas (ANA), José Machado, é uma aberração que essa produção seja exportada através de portos do Sul, aonde chegam por caminhões.
Além de investimentos do governo - que dificilmente começarão em 2010 -, a dinamização das hidrovias exige racionalização da gestão do sistema (entre os órgãos que tratam do assunto estão os Ministérios dos Transportes, da Defesa, de Minas e Energia e do Meio Ambiente, o Dnit, a Antaq, a ANA, além de superintendências regionais, algumas vinculadas a governos estaduais), cadastramento das empresas que atuam na área (a maioria é clandestina) e a criação de normas que estimulem seu uso e atraiam capitais privados.
É muita coisa para um governo que, em sete anos, nada fez para mudar a situação.