O reinventor do mundo 02/02/2010
- O Estado de S.Paulo
Impedido por um surto de hipertensão de viajar a Davos para receber o Prêmio Estadista Global, o presidente Lula delegou ao chanceler Celso Amorim a leitura do discurso de agradecimento pela láurea recebida do Fórum Econômico Global, na última sexta-feira.
Com isso, tiveram repercussão menor do que mereciam as palavras proferidas diante de um auditório também esvaziado pela ausência do designado estadista.
Pena, porque "nunca antes" em Davos se assistiu a uma exibição de megalomania tão digna de figurar no Livro Guinness de Recordes.
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Nem conhecidos adoradores de si próprios, como o venezuelano Hugo Chávez e o líbio Muammar Kadafi, chegaram às alturas da apoteose mental que o brasileiro galgou ao cobrir de glórias o seu governo e de críticas o mundo inteiro.
"Sete anos depois (de anunciar em Davos o que faria como presidente) posso olhar nos olhos de cada um de vocês e, mais que isso, nos olhos do meu povo e dizer que o Brasil, mesmo com todas as dificuldades, fez a sua parte", congratulou-se. Enquanto isso, "o que aconteceu com o mundo nos últimos sete anos? Podemos dizer que o mundo, igual ao Brasil, também melhorou"? Apenas melhorará, ensinou, quando "reinventarmos o mundo e suas instituições", decerto segundo o modelo lulista que - deu a entender - consiste na "recuperação do papel de governar". Como foi possível essa recuperação no Brasil se pode avaliar por outras declarações do presidente, no dia seguinte à leitura do texto em que se canonizou como o primeiro entre os iguais na condução dos destinos do globo. Deixando o hospital em São Paulo onde passara, aparentemente com êxito, por uma bateria de exames, declarou-se pronto "para entrar em campo".
Naturalmente, referia-se às maratonas a que se submete no País e no exterior - e que justificariam chamá-lo de presidente frequent flyer. No ano passado, gastou 83 dias circulando pelo Brasil e 91 dias por 31 países. No mês passado, foi a 7 Estados. De fevereiro a julho irá a 22 países, da América Central à China, dos Estados Unidos à Rússia, de Israel ao Irã. Lula explica as viagens domésticas em nome da recuperação do papel de governar: elas se justificariam pela simples razão de que, sem elas, o governo estanca. "Quem engorda o porco é o olho do dono", argumentou, transformando em suíno o boi do velho ditado. E aí humilhou os seus colaboradores: "Se o dono não estiver olhando para as coisas acontecerem, elas não acontecem. Se o presidente não ficar em cima, não ficar cobrando, não ficar viajando, as coisas são mais difíceis."
É claro que o recurso à teoria da governança itinerante, haja o que nela houver de verdade, é pouco mais do que uma engambelação. Lula não se desloca exaustivamente pelo território para fazer a sua administração funcionar. (Como ela funciona - ou não funciona - está no editorial desta página, Incompetência para investir.) Ele o faz para engordar a candidatura da ministra Dilma Rousseff, associando a sua imagem à dele e a de ambos ao que seria a estupenda coleção de realizações desse governo que faz tudo direito. Lula sabe que voa contra o tempo. A partir de abril, quando já não for ministra, Dilma Rousseff - ou "Dilma do chefe", como se ouviu de prefeitos pernambucanos na semana passada - terá de se apartar do seu patrocinador, passando uma temporada no limbo: longe dos comícios administrativos que ele continuará a fazer e ainda sem poder subir aos próprios palanques (oficialmente, a campanha começa em julho). Dilma tem ido bem nas pesquisas. Manterá a tendência quando não tiver Lula a seu lado?
As suas aparições solo não devem baixar a pressão de Lula. Semanas atrás, disse que "gostaria muito de levar os brasileiros ao paraíso". Na última sexta-feira, enquanto o chefe repousava em São Bernardo, Dilma disse que "o presidente precisa de um sucessor a sua altura e eu gostaria de ser essa sucessora", apressando-se a emendar: "Não sou hoje." Além disso, falou da felicidade de ser avó. Mas esses são problemas da dupla e de sua gente. O do País é saber quem governa quando Brasília fica a descoberto. A resposta-padrão de Lula era "a ministra-chefe da Casa Civil". Ele vai precisar de outra, quando continuar viajando e ela imergir no seu curso preparatório de candidata. A verdade é que não há quem exerça no Planalto o papel de governar que Lula se preparara para louvar de viva-voz em Davos, no maior espetáculo de soberba de sua presidência.