A decisão do governo de propor uma Consolidação das Leis Sociais (CLS) é em primeiro lugar um lance da campanha eleitoral. É parte do esforço do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para comandar a própria sucessão. Como política de longo prazo já seria contraproducente, mas a preocupação dominante no Palácio do Planalto, agora, é obviamente a conquista de votos para sustentar o atual projeto de poder. Isso ficou claro desde a apresentação inicial da ideia, no ano passado.
Não há segredo quanto ao sentido tático da manobra. O presidente aposta no lucro de qualquer forma. Se as propostas forem aprovadas sem resistência, ele poderá apresentar como fecho de sua gestão um feito comparável à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), herança do getulismo. Se a oposição resistir, terá dificuldade para explicar sua atitude aos eleitores. O custo poderá ser elevado.
Em campanhas eleitorais, slogans são em geral muito mais persuasivos do que argumentos de base racional, especialmente quando explorados por um político de vocação populista, como é sem dúvida o presidente Lula.
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O plano do governo, neste momento, é trabalhar pela Consolidação das Leis Sociais em duas etapas. Na primeira, os programas sociais estabelecidos por decretos ou portarias serão reunidos num projeto para transformar-se em lei. A consolidação será o objetivo da segunda fase. Dificilmente as duas etapas serão cumpridas neste ano, porque o Congresso pouco funcionará no segundo semestre. Haverá eleições para dois terços dos postos do Senado e para todas as cadeiras da Câmara dos Deputados. Além disso, os parlamentares terão de se envolver na campanha para a Presidência e nas disputas estaduais.
Embora o tempo seja curto para o cumprimento das duas etapas, a oposição não deve descuidar do andamento dos projetos. Parte importante dos programas sociais já tem status de lei. Bolsa-Família, ProUni, ProJovem, Pronasci, Fundeb, Bolsa-Atleta, Lei Maria da Penha e Programa Empresa Cidadã compõem esse grupo. Falta converter em leis vários outros programas, como o Farmácia Popular, o de Aquisição de Alimentos, o de Erradicação do Trabalho Infantil e o da Banda Larga nas Escolas, por exemplo.
Nenhum presidente, originário da oposição ou da situação, terá interesse político em abandonar os mais importantes desses programas. Ninguém renegará, por exemplo, o Bolsa-Família, derivado do Bolsa-Escola, instituído nos anos 90. O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil é um complemento importante não só das normas trabalhistas básicas, mas também da política educacional. A Lei Maria da Penha só foi aprovada porque não se cumpria adequadamente o Código Penal. Como produziu o efeito desejado, não há por que pensar em sua revogação.
Mas a continuação de boa parte dos programas sociais - aqueles de importância geralmente reconhecida - não depende de seu status legal. Aqueles mais importantes para o desenvolvimento econômico e para a equidade social dificilmente serão rejeitados por qualquer governante. São, de fato, como tem afirmado o governo, conquistas da sociedade.
Mas é errada a comparação da maior parte desses programas com as normas contidas na CLT. A organização das leis trabalhistas num corpo coerente e estruturado serviu para regular a operação do mercado de mão de obra. Consagrou direitos e disciplinou contratos.
Na maior parte, os programas sociais contemplados no plano do governo têm natureza diferente das normas trabalhistas. Tratam de problemas que, por mais importantes que sejam, são conjunturais, efêmeros. O Bolsa-Família, por exemplo, deverá perder relevância, num futuro não muito distante, se um número maior de brasileiros for incorporado às atividades produtivas. O Pronasci (com efeitos quase invisíveis, até agora) só tem sentido como resposta a uma situação de crise na segurança pública.
Converter mais programas em leis e juntá-los numa consolidação resultará simplesmente num indesejável engessamento das políticas e das verbas disponíveis para as ações de governo. A longo prazo, esse erro será nocivo ao desenvolvimento do País e custoso para toda a sociedade. Uma oposição mais competente e menos propensa a se deixar prender num córner não teria dificuldades em explicar esses pontos numa campanha eleitoral.