Ameaça à liberdade de imprensa 03/03/2010
- O Estado de S.Paulo
Ponto mais polêmico do Plano Nacional dos Direitos Humanos (PNDH) no capítulo que trata do tema comunicação, a proposta de controle social da mídia foi claramente rejeitada pelo ministro das Comunicações, Hélio Costa, e pelo deputado federal e ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, um dos coordenadores da campanha presidencial da pré-candidata do PT, a ministra Dilma Rousseff. Ao participarem do fórum Democracia e Liberdade de Expressão, organizado em São Paulo pelo Instituto Millenium, Costa e Palocci deixaram claro que também na questão do controle social da mídia há uma grande distância entre o pragmatismo do governo Lula e o pensamento predominante em extensas áreas do PT.
Costa garantiu que em nenhum momento o tema foi debatido no governo, que não proporá a criação de mecanismos de controle dos meios de comunicação. "Consideramos essa questão absolutamente intocável." O controle social da mídia, afirmou, "é inadmissível, primeiro, para o jornalista e, segundo, para o ministro das Comunicações".
Palocci, embora evitasse críticas diretas ao PNDH -- pois o assunto comove a base petista, com a qual não quer criar atritos --, disse não concordar com a forma como o tema foi tratado no documento. Em seguida, fez uma firme defesa da liberdade de imprensa como instrumento para balizar a ação dos governantes e mostrou os limites da crítica sob o Estado de Direito: "Os governos precisam de uma atuação forte e democrática da imprensa. Os governos autoritários tendem a desabar por não permitirem o equilíbrio proveniente da crítica. Não digo que a crítica é agradável, mas ela é necessária. Agora, se houver calúnia, a Justiça está aí."
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Nitidamente inspirado nas posições defendidas por diferentes alas do PT -- que de tempos em tempos propõem, sob diversos argumentos, formas de controle social da mídia --, o PNDH condiciona a concessão dos serviços de radiodifusão, e também a renovação dessa concessão, ao respeito aos direitos humanos e propõe penas como advertência, multa, suspensão da programação e até cassação da concessão, "de acordo com a gravidade das violações praticadas".
A proposta abre caminho para o domínio dos meios de comunicação pelos governos, como deixaram claro jornalistas da Venezuela, Equador e Argentina que participaram dos debates. Foi sob o pretexto da necessidade de impor responsabilidade social aos veículos de comunicação que os governos desses países adotaram medidas de controle sobre a mídia, inclusive a censura pura e simples.
Na Venezuela, o presidente Hugo Chávez suspendeu concessões de emissoras de rádio e de televisão; no Equador, o presidente Rafael Correa, inspirado por Chávez, vem utilizando cadeias nacionais de rádio e tevê para seus discursos políticos; na Argentina, além de perseguir veículos de comunicação, tentando inviabilizar sua sobrevivência econômica, o governo da presidente Cristina Kirchner conseguiu obter do Congresso a aprovação de uma lei que restringe a atuação dos meios de comunicação.
Há uma diferença entre a situação do Brasil e a desses três países, como destacou o diretor da Folha de S.Paulo, Otavio Frias Filho, pois aqui a democracia está mais consolidada. Mas, ressalvou Frias, a história mostra que governos que desfrutam de altos índices de popularidade são mais tentados a investir contra o Congresso e a calar a imprensa.
No caso brasileiro, deve-se acrescentar a imutabilidade do pensamento petista a favor do controle social da mídia e sua insistência em apresentar propostas nesse sentido. No que depender do PT e do petismo, a liberdade de imprensa continuará sob risco permanente.
Felizmente, como destacou o sociólogo Demétrio Magnoli, há uma diferença entre o governo Lula e o PT, entre o lulismo e o petismo. Enquanto Lula, por pragmatismo, aderiu aos princípios da economia de mercado, o PT continua a defender, em seus documentos internos, a ideia de um partido forte que consiga impor normas à sociedade, um processo que Magnoli chama de "restauração stalinista".
Enquanto Lula estiver no governo, as ameaças à liberdade de imprensa parecem controladas. Mas o que poderá acontecer se outro nome do PT ocupar a Presidência da República?