Participação nos lucros 08/03/2010
- Almir Pazzianotto Pinto*
Entre centenas de iniciativas exóticas que povoam o mundo das relações de trabalho, nada se equipara à asnática proposta de participação obrigatória nos lucros das empresas. A mais próxima de tal disparate é a emenda constitucional que reduz de 44 para 40 horas o trabalho semanal, sem redução salarial, e com elevação, de 50% para 75%, da porcentagem, sobre os salários, das horas extras.
Os autores de ambas as iniciativas desconhecem as leis da economia, ou se entregaram definitivamente à demagogia populista, para colherem vantagens em período eleitoral. Pretender cota obrigatória de lucros e, em paralelo, a diminuição das horas de trabalho importa em sangrar duas vezes o capital investido: mediante apropriação indébita de parte da remuneração a que o capital tem direito e transformando o sábado em dia feriado.
Esquecem os autores das esdrúxulas proposições que, se aprovadas, terão alcance nacional e aplicação uniforme. Vale dizer que atingirão, de maneira indistinta, empresas localizadas em regiões ricas, remediadas, pobres e miseráveis, desenvolvidas e carentes, companhias instaladas e consolidadas, outras em processo de implantação, muitas em fase de planejamento.
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As duas iniciativas se colocam na contramão da dependência nacional de investimentos em setores produtivos. Preocupados com a geração de empregos, Estados e municípios, com apoio do governo federal, têm adotado medidas destinadas à atração de indústrias, oferecendo terras, infraestrutura e incentivos fiscais. Em numerosos casos o poder público se incumbe da terraplenagem da área e leva até ela sistemas de água e saneamento, energia elétrica, além de pavimentar vias de acesso.
Até setores do PT, adversário genético da iniciativa privada, admitem a necessidade de o Brasil ampliar espaço na economia mundial, pela atuação vigorosa da livre iniciativa. É difícil acreditar, portanto, que, enquanto dinheiro de impostos é aplicado com o objetivo de atrair empresas brasileiras ou estrangeiras, meia dúzia de pequenos demagogos insistam em nos apresentar como território da insegurança jurídica, cuja Constituição pode ser remendada em nome de objetivos eleitorais, e a legislação, por si só complicada e onerosa, sofra mudanças prejudiciais a investidores.
Tão logo conseguiu avaliar o perigo que resultava da crise mundial - ainda não debelada -, o presidente Lula tomou decisão corajosa e determinou a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na compra de veículos automotivos e eletrodomésticos. Abriu mão de considerável parcela de impostos para evitar a retração do mercado consumidor, preservar empresas e empregos. A S. Exa. não ocorreu sobrecarregar empresas com mais impostos sobre lucros e o corte nas horas de produção. Fizesse isso, a história teria sido outra.
Sou favorável à semana de 40 horas e à participação do trabalhador nos lucros. Desde que tais medidas surjam de negociações diretas entre empresas e sindicatos, e nunca por meio de medidas coercitivas do Estado. Afinal, qual a tarefa primeira das associações profissionais senão buscar compor divergências de caráter econômico entre capital e trabalho?
Participação nos lucros e redução de carga horária não constituem fatos novos, condicionados de alterações constitucionais. A Lei nº 10.101/2000, que regulou o artigo 7º, XI, da Constituição, é satisfatória e proporciona resultados positivos quando as partes negociam de boa-fé. O mesmo dispositivo, no inciso XII, prescreve duração normal diária de 8 horas e semanal de 44, "facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva".
O Brasil ostenta a maior, mais complexa, mais dispendiosa e atrasada rede sindical do planeta. Mantida por contribuições compulsórias, legítimas e ilegítimas, nenhuma preocupação nutrem dirigentes vitalícios e pelegos - salvo as exceções conhecidas - com a prestação de serviços aos representados. Milhares de sindicatos, centenas de federações, dezenas de confederações e várias centrais se comportam como inimigos das soluções negociadas e aguardam que venham pela força de leis federais mudanças que julgam politicamente desejáveis.
Para ter convicção do malogro da negociação no Brasil consultem-se as estatísticas da Justiça do Trabalho. Apenas no período compreendido entre 2006 e 2008 deram entrada, no primeiro grau, 4,5 milhões de ações individuais e plúrimas, que se somaram a outros milhões em curso. O passivo trabalhista de grandes, pequenas e microempresas, profissionais liberais, fundações e associações sem fins lucrativos é incalculável e ultrapassa os cálculos mais pessimistas.
O Brasil ratificou, em 1952, a Convenção nº 98 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata da livre sindicalização e da negociação coletiva, integrando-a ao sistema jurídico, com o caráter de lei ordinária. Trata-se, contudo, de compromisso ignorado por organizações sindicais e autoridades da área do trabalho.
É cercado de mistério o pensamento dos candidatos à Presidência da República acerca da questão sindical. De Dilma Rousseff sabemos ser adepta da economia nas mãos do Estado. Logo, deverá manter o modelo sindical corporativo-fascista. Ninguém combateu com maior empenho o peleguismo do que Lula, o sindicalista. No governo, porém, mudou de lado após o fracasso do Fórum Nacional do Trabalho e fez alianças com velhos adversários.
Converter em lei o bestialógico que, às vezes, se apossa de algumas cabeças em Brasília não nos condenará de imediato à bancarrota. Contribuirá, todavia, para que no mundo desenvolvido ganhe corpo a convicção de que não somos um país respeitável, onde valha a pena investir a longo prazo.
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*Almir Pazzianotto Pinto, advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho