Em qualquer país em que as autoridades públicas costumam honrar os compromissos, sobretudo os financeiros, pouco interesse despertaria a nota divulgada pela Secretaria do Tesouro Nacional há dias, de que Estados e municípios liquidaram rigorosamente no prazo suas obrigações decorrentes do refinanciamento de suas dívidas externas pela União. Mas, diante das circunstâncias da renegociação, do montante refinanciado e da antiga prática dos responsáveis pelas finanças públicas em todos os níveis de governo de sistematicamente rediscutir o que já estava acertado, este é um fato notável.
A nota informa que "em janeiro de 2010, os Estados e municípios, incluindo órgãos de suas administrações direta e indireta, liquidaram suas obrigações junto ao Tesouro Nacional, decorrentes do refinanciamento de dívidas equivalentes a US$ 9,4 bilhões, concedido pelo União ao amparo da Lei n.º 7.976/89". Esclarece em seguida que "as dívidas foram pagas em 20 anos, em prestações semestrais de principal e mensais de juros, (...) e representam o primeiro grande refinanciamento de longo prazo concedido aos entes da Federação, levado a termo sem necessidade de nova rolagem".
Em outras palavras, esta é a primeira renegociação ampla feita pela União com Estados e municípios que se conclui de acordo com os termos contratados, sem necessidade de concessão de mais facilidades aos devedores. Na ocasião, 21 Estados, 39 municípios e 23 entidades das administrações diretas e indiretas tiveram renegociadas suas dívidas externas, que somavam quase US$ 10 bilhões.
PUBLICIDADE
Essa renegociação é apenas um episódio da crise das finanças dos Estados e municípios dos últimos 25 anos. A crise da dívida externa, desencadeada em 1982, e a aceleração da inflação afetaram as finanças públicas. Os Estados e municípios foram beneficiados com a nova forma de repartição do bolo tributário definida pela Constituição de 1988, mas passaram a gastar além do que podiam, o que os levou a ter dificuldades para pagar suas despesas.
Os governos estaduais dispunham, até meados da década de 1990, de diversas fontes de financiamento, como os bancos públicos e privados, o Banco Central, as instituições internacionais, o Tesouro Nacional e as empresas públicas. Mas essa facilidade apenas agravou seus problemas financeiros. Alguns governos quebraram os bancos que controlavam por forçá-los a lhes conceder financiamentos além de sua capacidade, mas nem assim evitaram sua própria crise financeira.
Sucessivas negociações das dívidas e tentativas de limitar a capacidade de financiamento dos governos estaduais foram anunciadas na época - e revistas pouco depois, pois não funcionaram. O desequilíbrio das finanças dos Estados e a falta de mecanismos que forçassem o ajuste de suas contas ameaçavam o êxito do Plano Real, lançado em 1994. Só no fim de 1996 o governo federal obteve poderes para renegociar as dívidas estaduais, condicionando a renegociação à adoção, pelos Estados, de medidas severas de austeridade, como compromisso de pagamento mínimo da dívida renegociada, geração de superávit primário, limites de endividamento e de gastos com pessoal, etc. A liberação das quotas do Fundo de Participação dos Estados foi condicionada ao pagamento das prestações acertadas na renegociação.
No refinanciamento feito de acordo com as novas regras, a União assumiu dívidas estaduais superiores a R$ 100 bilhões, renegociadas pelo prazo máximo de 30 anos, com taxa de juro real mínima de 6% ao ano. Sem essa renegociação, que aliviou a situação dos Estados e municípios, não teria sido possível impor a todos os níveis de governo as regras da Lei de Responsabilidade Fiscal, que, em vigor desde 2000, mudou o comportamento dos responsáveis pela gestão do dinheiro público.
Os termos da renegociação feita entre 1996 e 1998 estão sendo cumpridos. No caso da dívida externa, é possível que, pelas condições acertadas, ainda haja resíduos a serem quitados. Mas as cláusulas essenciais foram respeitadas. É um sinal de avanço na administração pública.