Contou-me uma amiga, professora de liceu, que decidira questionar a turma sobre as profissões a perseguir no futuro. A turma, composta por adolescentes de 12 e 13 anos, ofereceu resultados divertidos/ dramáticos/ alarmantes (ainda não consegui decidir).
Resumo da experiência: antigamente, as profissões desejadas oscilavam entre a medicina e a engenharia, com dois ou três astronautas e veterinários lá pelo meio. Hoje, a profissão do momento é outra. "Ser famoso". Não interessa em quê. Interessa é chegar "lá".
E as hordas de alucinados, verdade seja dita, tentam chegar "lá". Todos os dias, quando espreito a tv, a espectáculo é repetitivo e deprimente: incontáveis nulidades, sem nada que as recomende, tentam em desespero chegar "lá". A fama, que já durou 15 minutos, hoje dura 15 segundos; e os famosos, que em teoria seriam famosos por uma qualidade distintiva qualquer, são famosos por serem famosos, um círculo perfeito e perfeitamente imbecil.
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É por isso refrescante ler a história de Grigory Perelman. Na passada semana, quando o Brasil assistia aos Big Brothers habituais, Grigory Perelman recusava um prémio de US$ 1 milhão por ter resolvido a conjectura de Poincaré.
Grigory Perelman, 44, é um matemático russo que, após breve carreira académica, abandonou a universidade para enfrentar a referida conjectura, um problema matemático que há mais de um século intrigava cientistas do planeta inteiro.
Em 2002 e 2003, publicou as suas propostas de resolução (na internet). Nos anos seguintes, matemáticos diversos procuraram confirmar a resolução proposta por Perelman. E confirmaram. Devido ao feito, a Fields Medal foi-lhe atribuída em 2006, uma espécie de prémio Nobel da Matemática. Perelman fez o que agora repetiu: recusou-a.
Foi o princípio da sua anti-fama que se converteu numa forma perversa de celebridade. Os jornalistas instalaram-se em frente ao apartamento onde ele vive (com a mãe). Os vizinhos fornecem alguns detalhes sobre a estranha criatura: os seus hábitos higiénicos (não corta unhas, cabelo ou barba) comportamentais (caminha sem levantar o olhar) e até alimentares (uma predileção desmesurada por laranjas). Uns dizem que o apartamento está infestado de baratas. Outros garantem que Perelman gosta de jogar pingue-pongue contra a parede.
E o próprio Perelman contribui para o mito, ao responder às solicitações telefónicas dos jornalistas com frases do tipo: "O senhor está a perturbar-me. Estou a apanhar cogumelos."
A frase é boa. Tão boa que só em filme. Não admira, por isso, que a revista "Spectator" tenha dedicado um editorial notável ao caso, garantindo que Hollywood já está a preparar um "biopic" sobre o génio. Se a ideia era viver em paz, um mundo viciado na guerra da fama não permite semelhante luxo.
O que implica saber: na história de Grigory Perelman, a quem pertence a maior dose de loucura? A ele? Ou a nós?
Não é preciso ser um génio para responder a essa.
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*João Pereira Coutinho é colunista da Folha de S.Paulo