Os poderes do Fisco 12/04/2010
- O Estado de S.Paulo
A ação articulada contra operações ilegais de planejamento tributário -- por meio do qual as empresas utilizam brechas na legislação para pagar menos impostos -- é uma prova clara de que a Receita Federal dispõe de quadros instruídos e preparados e dos instrumentos legais para combater as formas mais sofisticadas de sonegação. Não precisa de mais poderes para cumprir sua tarefa e assim preservar o interesse e os direitos dos contribuintes que cumprem suas obrigações tributárias.
São excessivos, por isso, além de inconstitucionais, os poderes adicionais que lhe confere o conjunto de propostas do governo em exame no Congresso Nacional. Três projetos de lei ordinária e um projeto de lei complementar dão à Receita o poder de agir como Polícia e competência para tomar decisões privativas da Justiça. Os fiscais poderão quebrar sigilo, penhorar bens e levá-los a leilão e até mesmo arrombar portas sem autorização judicial. Por violar garantias básicas do cidadão, desrespeitando a Constituição, e também por ser desnecessário -- pois a Receita já dispõe de meios suficientes para bem desempenhar a sua função --, o projeto precisa ser rejeitado pelos congressistas.
A Receita, reconheceu o subsecretário de Fiscalização, Marcos Neder, tem como distinguir as operações de planejamento tributário legítimas, destinadas a economizar o pagamento de tributos, das ilegítimas, que resultam na evasão fiscal ou sonegação pura e simples. Já sabe como combater estas últimas e se prepara para fazer isso com mais eficácia, como mostrou reportagem de Adriana Fernandes no Estado do dia 4.
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Trata-se de organizar o trabalho de fiscalização, orientar as equipes e focar a ação no exame das operações mais frequentes empregadas pelos contribuintes para deixar de declarar e recolher os tributos devidos.
A Receita sabe, por exemplo, que, nos últimos cinco anos, 42% das maiores empresas, responsáveis por 80% da arrecadação, registraram prejuízo fiscal. Crises conjunturais e problemas específicos de algumas empresas provocaram uma parte significativa desses resultados negativos. Mas a Receita suspeita que uma parte importante dos prejuízos declarados resultou de operações simuladas.
A legislação permite que os prejuízos sejam compensados em exercícios seguintes, sem prazo final para a compensação. Em cada exercício durante o qual registrar lucro, a empresa que teve prejuízo em exercícios anteriores pode abater até 30% do lucro presente, o que reduz a tributação.
Até há pouco, nos casos contestados pela Receita, todas as operações de fusão, incorporação, compra ou venda que resultassem na redução do lucro da nova empresa eram aprovadas tanto na instância administrativa como na judicial, desde que baseadas formalmente na legislação. Agora, mesmo nos casos previstos na lei, se o Fisco comprovar que a operação foi simulada, o negócio será considerado ilegal.
Por essa razão, a Receita nem se preocupava com essas operações, caso elas cumprissem as exigências da lei. Mas ficou mais atenta. Criou duas delegacias especiais, em São Paulo e no Rio de Janeiro, para fiscalizar esse tipo de operação e se prepara para treinar 400 auditores fiscais em todas as superintendências regionais para investigar em profundidade operações suspeitas.
"Agora estamos mais preparados", diz Neder. "A inteligência fiscal começou a levantar provas que não estão nos livros, nas assembleias, mas que ajudam a convencer os julgadores administrativos e judiciais de que a operação não tem a menor justificativa econômica."
Para defender o conjunto de propostas em tramitação no Congresso, o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, argumenta que, com elas, a Receita poderá reduzir o espaço de manobra dos contribuintes devedores, que respondem por cerca de 80% dos débitos lançados como dívida ativa da União, isto é, a dívida que não pode mais ser contestada em nenhuma instância e que já venceu. Ora, nesse caso, o que o governo tem a fazer é cobrar aquilo que, incontestavelmente, lhe é devido -- e que, só no caso das dívidas tributárias, soma mais de R$ 800 bilhões --, e para isso não precisa impor o terror a todos os contribuintes.