No final de 2009, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, disse ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que seria inevitável elevar os juros no início de 2010. Argumentou que a recuperação econômica pós-crise internacional estava intensa e que seria necessário pisar no freio para impedir alta da inflação no ano eleitoral.
No entanto, logo após o aviso, a então virtual candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, subiu nas pesquisas. E Meirelles foi picado pela mosca azul. Recém-filiado ao PMDB, alimentou o desejo de ser indicado vice da petista.
Meirelles, então, desencadeou articulações para tentar viabilizar sua pretensão. Empresários e banqueiros de São Paulo entraram em campo, enviando recados a Lula de que gostariam de ver Meirelles como vice da "radical" Dilma.
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O presidente do Banco Central achou que Lula e o PT, diante da subida de Dilma nas pesquisas, teriam força para bancar o seu nome para vice contra o desejo da cúpula do PMDB, desde sempre fechada com o presidente da legenda, o deputado federal Michel Temer (SP). Ingenuidade.
Para sair do Banco Central sem a responsabilidade de começar novo processo de elevação dos juros, Meirelles operou internamente para evitar alta da Selic, a taxa básica de juros, hoje em 8,75% ao ano. Na última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), quase 45 dias atrás, Meirelles foi um dos que votaram pelo aumento dos juros. Fez isso para que o placar a favor da manutenção da Selic em 8,75% não fosse tão elástico. Assim, querendo segurar os juros, votou pela subida da Selic a fim de sinalizar que, na próxima reunião, quando já estivesse fora do BC, a taxa seria elevada. Parecia um plano perfeito.
Meirelles sairia bem, prepararia a alta e agradaria a Lula, que, obviamente, gostou do plano do presidente do BC. Lula queria dar mais corda ao bom momento de Dilma, na esperança de que ela ultrapassasse Serra nas pesquisas. Para isso, seria conveniente evitar alta dos juros, tema sempre sujeito a críticas.
Mas Dilma parou de crescer, segundo o Datafolha. Pior: o pré-candidato do PSDB, José Serra, voltou a subir. Isso fortaleceu novamente o PMDB e a ideia de Temer como vice.
Sem enxergar que a situação mudara, Meirelles continuou tentando virar companheiro de chapa de Dilma. Tocou no assunto com Temer, que o avisou de que o PMDB não se julgaria representado por ele. Meirelles foi a Lula, que disse que não brigaria com o PMDB. Procurou Dilma, que deu a mesma resposta.
O resultado é conhecido: Meirelles ficou no Banco Central sustentando um discurso frágil. Disse que decidira permanecer para garantir a estabilidade econômica e que nunca tivera aspiração política.
Lula não gostou do discurso de "guardião da estabilidade". O presidente da República disse em conversa reservada que o guardião era ele, que recebera os votos em 2006 e 2010 para administrar o país. Meirelles não ficou bem na foto perante o mercado, que viu claramente que ele se sujeitava a cálculos políticos na gestão dos juros. Sempre foi conversa mole a história de que Meirelles não aceitava pressão de Lula. O presidente do BC não ficou bem na foto com o PMDB nem com Lula. E agora o Brasil arcará com o custo Meirelles.
Para recuperar credibilidade, há risco de o presidente do BC exagerar na dose para tentar melhorar sua imagem. Nas próximas terça e quarta, 27 e 28 de abril, saberemos o tamanho da conta do sonho político de quem deveria ter priorizado a economia. Haverá reunião do Copom. E os juros subirão, talvez mais do que o necessário, certamente mais tarde do que o recomendável.
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*Kennedy Alencar é colunista e repórter especial da Folha de S.Paulo