Homicídios, estatísticas e opiniões 01/05/2010
- Alexandre Barros
Vi a entrevista de um especialista em violência e fui informado de que a única razão para a queda dos homicídios no Brasil foi a campanha do desarmamento, que recolheu quase 500 mil armas. Um pouco depois, na mesma entrevista, soube que a queda dos homicídios na cidade de São Paulo ocorreu porque se prendeu mais gente, também por melhor gestão da polícia.
Pessoalmente, não tomo partido nessa discussão. Preocupo-me apenas com o mau tratamento dado às estatísticas e aos estudiosos sérios. Darrell Huff, em seu pequeno grande livro Como Mentir com Estatísticas, diz que, se devidamente torturados, os dados contam qualquer coisa. Eu acrescentaria: se não corretamente analisados, contam mais mentiras ainda.
Foi citado Gary Becker, Prêmio Nobel de Economia: o crime cai quando se prende mais. É simplista para um economista do porte de Becker. Uma das coisas que ele diz é que, se se aumentar o preço do crime (por meio de punições ou de outros desincentivos), a taxa de criminalidade tende a cair. Diz também que não existe crime zero (alô, alô, bancada da Tolerância Zero), por uma simples razão: o custo marginal de reduzir o crime por meio de prevenção e de desincentivos cresce para as margens superiores. Em outras palavras, a partir de um certo ponto, o custo de prevenção de cada crime acaba sendo mais alto do que o benefício derivado de que aquele crime não ocorra.
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O que não foi dito ainda - que talvez seja o mais importante, e aí chamo Becker de novo - é a quantidade de capital humano que se perde. 500 mil homicídios em dez anos são dez guerras do Vietnã. Ela, em cerca de 15 anos, matou 57 mil americanos e - o que não costuma ser contado - cerca de 2 milhões de vietnamitas. Com essa salada de números, a conclusão preliminar é a seguinte: o problema é muito mais complicado do que parece, independentemente de que autor escolhamos citar.
Segundo, Becker é muito mais sério, não apenas pelo seu aspecto cruel, mas pelo seu aspecto econômico. Perdemos 500 mil unidades produtivas, de uma maneira ou de outra. Alguns podem argumentar que essas pessoas mereciam morrer mesmo. Mas para isso é que existe justiça, para que não sejam mortas pessoas apenas pelo desejo de um ou outro que os deseja executar. O que nos traz ao próximo problema: a pena de morte no Brasil. Ela existe, claro, só que não é estatizada. É privatizada, por intermédio de grupos de extermínio, execuções encomendadas e outras maneiras menos ortodoxas de eliminar aqueles de quem não gostamos ou cujas ações não nos agradam.
Mas vamos voltar aos dados, sem torturá-los. O cientista político Cláudio Beato, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), vem realizando há vários anos um trabalho de geomonitoramento do crime em Belo Horizonte, em convênio com a Secretaria de Segurança e com a Secretaria da Fazenda. O que o programa faz é monitorar todas as transgressões que chegam ao conhecimento da polícia (coisa que já deixa de fora muito do que acontece e a polícia nunca chega a saber) e processar eletronicamente que tipo de transgressão ocorreu, onde, a que horas, quem estava envolvido, etc. O aspecto mais impressionante quando assisti a uma palestra-demonstração foi que, logo de cara, cai um mito: os pobres matam os ricos. Em Belo Horizonte, pelo menos, não é verdade.
Os pobres, na realidade, matam-se entre si. A grande concentração de crimes contra a vida ocorre dentro ou nos arredores imediatos das favelas e bairros habitados por populações de baixa renda. Quando se pede ao computador que mostre onde ocorrem os crimes contra a propriedade, a situação se inverte completamente. A grande concentração de pontos que representam os crimes contra a propriedade está maciçamente nos bairros de alta renda. Impressão confirmada: os pobres roubam dos ricos. A razão é a mesma pela qual Willie Sutton, assaltante de bancos americano, quando perguntado pela polícia por que roubava bancos, respondeu simplesmente: "É porque lá é que está o dinheiro."
As estatísticas que são publicadas a respeito de homicídios, entretanto, mobilizam muito menos as autoridades do que o episódio da morte do menino João Hélio, no Rio de Janeiro, arrastado por bandidos preso num cinto de segurança, ou da morte de Isabela Nardoni. Será que é porque as autoridades são insensíveis? Certamente não, mas é apenas porque as autoridades que decidem isso, ou seja, os membros do Congresso Nacional, pouco se informam sobre crime, limitando-se a notícias da imprensa. E, quanto mais fulanizada, mais impressionante fica a história, coisa que não acontece com as estatísticas que saíram e que serão infelizmente torturadas para produzir as conclusões que interessam aos analistas para promover suas ideias.
Finalmente, para falar dos resultados cruéis de leis bem-intencionadas, em alguns Estados americanos vigora a lei dos "três crimes e você está fora". Se alguém comete três crimes e é condenado sucessivamente pelos três, não importa se o terceiro crime é algo simples como furtar um pacote de biscoito de uma loja, a pena para o terceiro crime é prisão perpétua.
Bela lei. Vai acabar com a reincidência. Verdade parcial. A criminalidade baixou nos Estados em que a lei vigora. Mas a violência aumentou, por uma simples razão (e criminosos tomam decisões racionais): Se eu for pego por furtar biscoito ou por assaltar uma joalheria a mão armada e matar três ou quatro, a pena será exatamente a mesma. Portanto, melhor faço cometendo um crime mais rentável, já que o meu desincentivo será exatamente do mesmo tamanho.
É uma pena, mas é uma realidade: os criminosos não se comportam de acordo com as expectativas dos legisladores.
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*Alexandre Barros é cientista político (PH.D., University of Chicago) e diretor-gerente da Early Warning - Análise de Risco Político. E-mail: alex@eaw.com.br