Por onde andará nossa simpatia? 07/05/2010
- Washington Novaes - O Estado de S.Paulo
Ao participar, há poucos dias, de um simpósio promovido no Rio de Janeiro pela Federação Brasileira de Psicanálise, reunindo membros de quatro associações dessa área do conhecimento, o autor destas linhas pôde verificar o alto nível de preocupação dos psicanalistas com as chamadas questões ambientais, seja pelos dramas e ameaças em escala global que estão diante de seus olhos, seja pelas repercussões que as inadequações nos nossos modos de viver têm na psicologia das pessoas que com eles buscam tratamento.
Nos dias em que se desenvolviam essas discussões, o noticiário mundial dava forte ênfase ao mais recente megadesastre, o derrame de petróleo numa plataforma submarina no Golfo do México, que formava gigantesca mancha com centenas de quilômetros de extensão e largura - com gravíssimos efeitos sobre a biodiversidade marinha, a pesca e atividades costeiras.
Vieram à memória grandes desastres precedentes na área do petróleo e em outras, como o derrame de petróleo pelo navio Exxon Valdez no Alasca, em 1989; outro derramamento gigantesco na costa da Galícia espanhola, que até hoje tem graves consequências na pesca naquela região; ou ainda o vazamento de 40 toneladas de gases letais numa fábrica de pesticidas da Union Carbide em Bhopal, na Índia, que matou 20 mil pessoas e deixou 150 mil com doenças crônicas.
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Não faltou quem mencionasse artigo recente de George Monbiot, no jornal The Guardian, defendendo a tese de que a crise financeira e as erupções do vulcão islandês Eyjafjallajökull mostraram que "o mundo precisa de sociedades mais simples", menos megaprojetos. O que fez lembrar a frase do antropólogo basco Julio Baroja, já citado aqui, segundo quem "a grande cidade começa por nos roubar o essencial - a visão da nossa própria sombra e o ruído dos nossos passos". Além de privar as pessoas do contato físico com o meio em que vivem.
O vazamento no Golfo do México, porém, já ameaçava ter efeitos dramáticos fora dos danos imediatos - ameaçava a própria possibilidade de ser aprovada pelo Congresso norte-americano a lei sobre mudanças climáticas proposta pelo presidente Barack Obama. Porque, ao anunciar que enquanto não se esclarecerem as causas do acidente não suspenderá a moratória sobre a exploração de petróleo em alto-mar, o presidente perderia o apoio daqueles parlamentares, imprescindível para a aprovação da lei do clima no Congresso.
E aí a complicação torna-se global, porque sem ela os Estados Unidos não poderão participar de nenhum acordo na Convenção do Clima, que tem sua próxima reunião marcada para dezembro, em Cancún.
Convenções da ONU, como se sabe, exigem consenso. E basta a divergência de um país - ainda mais os Estados Unidos - para inviabilizar um acordo global sobre o clima.
E tudo isso acontece no momento em que a ONU divulga estudo que aponta prejuízos econômicos de quase US$ 1 trilhão em dez anos por causa de desastres "naturais" (tsunamis, terremotos, etc.) e climáticos (ciclones, furacões, secas, inundações, etc.), conforme relatou o correspondente deste jornal em Genebra, Jamil Chade (30/4), acrescentando as mortes de mais de 200 mil pessoas por um tsunami em 2004 na Ásia, outras tantas no terremoto do Haiti, o estrago gigantesco do terremoto no Chile.
Por essas e outras, a ONU está criando o primeiro plano internacional de redução de riscos de desastres, esperando que "todos os governos signatários adotem até 2015 as diretrizes, uma espécie de guia sobre o que cada cidade, governo estadual e nacional precisam fazer para proteger as populações e alertar países vizinhos dos riscos".
Para cada dólar investido em prevenção de desastres e planejamento urbano se podem economizar até 7 dólares em resgate e reparo de danos, diz a notícia.
É um tema discutido muitas vezes neste espaço, sempre lembrando que as políticas brasileiras de mitigação (redução de emissões) são ainda insuficientes, enquanto as de adaptação às mudanças do clima praticamente inexistem - embora já estejamos muito atrasados.
A proposta da ONU é de instituir padrões de construção mais rigorosos nas cidades, nas rodovias, em todos os lugares. Garantir o funcionamento de usinas de energia, dos sistemas de abastecimento de água, dos hospitais, das escolas. Porque entre 2000 e 2010 aconteceram mais de 385 desastres "naturais" por ano, com 2,4 bilhões de pessoas afetadas, 780 mil mortes. E a previsão da ONG Oxfam é de que até 2015 o número de vítimas dos problemas climáticos poderá crescer 50%.
Diante de números tão dramáticos, é inacreditável o panorama na área política. Na mais recente reunião preparatória para Cancún, realizada na Alemanha, a primeira-ministra Angela Merkel lembrou que os cientistas têm advertido sobre a necessidade absoluta de conter o aumento da temperatura da Terra em, no máximo, 2 graus Celsius (já subiu 0,8 grau) até 2050 - de modo a evitar catástrofes ainda mais graves. Mas, no panorama atual - disse ela -, caminha-se para um aumento de 3 a 4 graus.
Ainda assim, os países "emergentes", inclusive o Brasil, numa reunião em Nova Délhi nos mesmos dias, mantiveram a posição de atribuir aos países industrializados a responsabilidade de reduzir emissões, sem assumirem eles, "emergentes", compromissos obrigatórios de redução, que poderiam "comprometer o desenvolvimento econômico".
Curioso, porque o próprio Ipea afirma que "a redução das emissões de gases de efeito estufa não deverá comprometer o desenvolvimento econômico do Brasil" (Agência Estado, 23/4).
Será interessante ver como prosseguirá essa discussão na próxima reunião desses países, que será no Brasil, em julho.
No simpósio dos psicanalistas, no Rio de Janeiro, lembrou-se uma frase de Einstein, depois de haver formulado suas complexas teorias no campo da Física: "Nossa melhor possibilidade é uma compreensão simpática da natureza."