Banda larga e manipulação 10/05/2010
- O Estado de S.Paulo
Antiguidade e inconsistência têm sido a marca da maioria dos planos e projetos do governo Lula. Por isso, não é por não fixar prazos claros para suas metas ou por carecer de instrumentos de ação que o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) surpreende. Também não é por pretender fortalecer uma estatal de triste memória que o plano deixa dúvidas, pois o crescimento do Estado é objetivo declarado do presidente Lula. Nem é por demonstrar a desarticulação do governo que o PNBL constitui novidade, já que a desestruturação técnica e gerencial da atual gestão é velha conhecida.
O que, de fato, intriga nesse assunto é a irresponsável manipulação, com interesses ainda não conhecidos, do futuro de uma empresa com ações negociadas em bolsa e que tem resultado em seguidas e fortíssimas altas de suas cotações. Há muitos investidores ganhando dinheiro com isso -- mas, até o momento, não foi possível vislumbrar que ganhos efetivos o País pode ter com um plano como esse.
O PNBL não tem sido mais do que um conjunto de discursos muito oportunos para o governo em ano de eleição. O governo diz, por exemplo, que a meta do programa é levar o acesso de alta velocidade à rede mundial de computadores a mais 28 milhões de domicílios dentro de quatro anos (a banda larga tem 12 milhões de usuários no País), com mais qualidade e velocidade e a preço mais acessível do que o cobrado atualmente pelas operadoras. Seria bom que isso ocorresse, pois, em outros países, a banda larga custa muito menos e é mais disseminada do que no Brasil. Não se explica, porém, como isso será feito.
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Por considerar excessivo o incentivo pedido pela operadora Oi, o governo -- que direta ou indiretamente detém 49% do capital da empresa -- rejeitou sua proposta de se tornar o principal instrumento da universalização da banda larga. O governo recusou também a proposta da empresa de televisão por satélite Sky de cobrir todo o País com banda larga sem fio a um custo menor do que o previsto pela Oi.
A proposta do PNBL é fortalecer o que sobrou da Telebrás depois da privatização da telefonia, em 1998. É uma empresa que, hoje, só cuida dos passivos que herdou, não tem receita e está em fase de liquidação. Para recuperá-la, o governo precisar aplicar mais de R$ 3 bilhões -- de um total de R$ 13 bilhões anunciados para o plano --, possivelmente com recursos do Tesouro, e arcar com prejuízos nos primeiros anos de sua operação como executor do PNBL.
A ideia desse plano vem sendo discutida pelo governo desde setembro do ano passado, mas dos debates foram alijados os dois principais organismos estatais que cuidam do assunto, a Anatel e o Ministério das Telecomunicações. Não foi por acaso que esses dois organismos não enviaram representantes para o anúncio do plano.
"É um pouco triste que um assunto tão sério seja tratado de uma forma quase leviana", criticou o professor de Economia da FGV Arthur Barrionuevo. "Não foram definidos meios objetivos e metas claras para a universalização da banda larga."
Há outros aspectos a serem criticados na forma como o governo pretende colocar em prática o PNBL -- o que só deverá ocorrer a partir da próxima gestão --, entre eles o fato de não estimular a concorrência, o que seria a medida mais correta para forçar a melhora dos serviços e a redução de suas tarifas.
O que mais assusta, no entanto, é a ligeireza com que o governo vem tratando da recuperação da Telebrás. No dia do anúncio do PNBL, as ações ordinárias da empresa chegaram a subir mais de 30% (fecharam com alta de 22,7%). No ano, a valorização dos papéis da Telebrás supera 200%. Há algum tempo, quando questionado sobre as declarações de membros do governo, inclusive ele próprio, sobre a recuperação da Telebrás, o presidente Lula observou que, "se a Comissão de Valores Mobiliários entender que houve vazamento, aí cabe investigação". É o caso de se fazer a investigação, não por vazamento, mas por manipulação de informações.