A tragédia do Butantan 18/05/2010
- O Estado de S.Paulo
O incêndio de um dos galpões do Instituto Butantan, que destruiu a maior e mais importante coleção científica de ofídios do mundo, iniciada há 120 anos, é uma advertência alarmante sobre o que pode acontecer com qualquer museu e instituto de pesquisa do governo estadual. Carentes de recursos, sem funcionários em número suficiente, com instalações elétricas e hidráulicas precárias e instalações físicas em péssimas condições de conservação, eles estão sujeitos a sofrer graves acidentes a qualquer momento, deixando como saldo, além de perdas materiais, prejuízos tecnológicos, científicos e culturais irreparáveis.
O que aconteceu no Instituto Butantan teve as proporções de uma catástrofe. O custo de reconstrução do galpão incendiado, que havia sido construído nos anos 60, é o prejuízo menor. Já a destruição do acervo de aracnídeos, com mais de 450 mil aranhas e escorpiões, e da coleção de cobras, com cerca de 535 mil espécies mantidas em formol, acabou com um banco de dados de renome internacional, que reunia documentos, espécimes e material científico acumulado ao longo de um século graças ao esforço de pesquisadores que desbravaram selvas, pântanos, ilhas e montanhas para coletar esses animais.
Cada animal do acervo tinha um registro de coleta, indicando onde, quando e em que condições foi capturado -- referências históricas fundamentais para a ciência. A tragédia interrompeu importantes pesquisas que estavam em andamento e vai inviabilizar a conclusão de dezenas de mestrados e doutorados na área.
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O curador da coleção de serpentes, Francisco Luís Franco, chegou a comparar a tragédia do Butantan ao incêndio da Biblioteca Real de Alexandria, que reunia o maior acervo de cultura e ciência que existiu na antiguidade. "Milhares de trabalhos científicos foram publicados com base nessa coleção. Outros milhares, que poderiam ser publicados, não serão mais", disse ele, falando em nome de um grupo de cientistas desolados.
O incêndio no Instituto Butantan, que começou às 7h45 do último sábado, quando não havia ninguém para acionar os extintores, foi uma tragédia anunciada. Em dezembro de 2009, os curadores da instituição encaminharam à Fapesp um projeto de melhorias estruturais e administrativas nas coleções, orçado em R$ 1 milhão. O pedido enfatizava a necessidade de instalação de sistemas de detecção de fumaça e de combate automático a incêndio.
Infelizmente, não houve tempo para que a Fapesp -- a agência de fomento que atende as universidades, institutos isolados e centros de pesquisa instalados em São Paulo -- pudesse processar o pedido, E, a rigor, o financiamento das despesas de custeio dessas instituições não é função da Fapesp. Os investimentos em segurança e modernização de instalações físicas e os gastos de custeio cabem ao Executivo, devendo os órgãos a ele subordinados estabelecer suas respectivas prioridades.
O problema é que, no caso das instituições de ensino e pesquisa, dos institutos isolados e dos museus, os cargos de direção costumam ser ocupados não por administradores profissionais, mas por professores, pesquisadores e intelectuais. Apesar do preparo que têm em suas áreas de especialização, quase todos são jejunos em matéria de gestão.
O Instituto Butantan, aliás, é um bom exemplo desse problema. Em setembro do ano passado, o Ministério Público estadual descobriu o desvio de R$ 35 milhões da Fundação Butantan -- o braço operacional do Instituto, cujo diretor era um cientista de renome internacional. As investigações revelaram que o dinheiro foi desviado por sete funcionários do segundo escalão, que se aproveitaram da inexperiência e da ingenuidade do cientista como gestor.
O incêndio do Instituto Butantan é, como se vê, resultante de fatores que vão da falta de gestão profissional à ausência de controles administrativos mais rigorosos, passando pela escassez crônica de recursos. E, se nada for feito para mudar esse quadro, permanecerá o risco de tragédias semelhantes com novos prejuízos irreparáveis.