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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

O neopeleguismo
02/06/2010 - O Estado de S.Paulo

Ao se colocarem a serviço direto, sem disfarces, da candidatura de Dilma Rousseff à Presidência da República, a infração legal menos grave que as centrais sindicais cometeram foi a "antecipação" da campanha presidencial -- até porque nem a Força Sindical nem a CUT foram as primeiras a fazê-lo. Mais grave foi a debochada afronta que o deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), o Paulinho da Força, lançou à Justiça Eleitoral, ao afirmar que de nada adiantaria ser processado de novo -- já teve quatro processos e duas condenações --, pois "continuaria a falar".

E falou, tanto para dizer que não se pode deixar "esse sujeito" (referindo-se ao candidato tucano José Serra) se tornar presidente da República, porque ele "vai tirar os direitos do trabalhador", "vai mexer no Fundo de Garantia, nas férias, na licença-maternidade", como para defender a continuidade do governo Lula, com a eleição de Dilma Rousseff.

Deixe-se de lado a falta de compostura e as agressões destemperadas do deputado-sindicalista Paulinho ao candidato Serra. Talvez essa tenha sido a forma que ele encontrou para superar as vaias com que foi recebido na assembleia da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), composta por CUT, UNE, MST e outras entidades, e da qual a Força Sindical não faz parte. E, no entanto, a legislação proíbe, expressamente, a participação de sindicatos em campanhas eleitorais. E a reunião da CMS era apenas uma preparação para a Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), realizada terça-feira pelas cinco centrais sindicais (Força, CUT, CTB, CGTB e Nova Central), com o objetivo de, a pretexto de apresentar pautas reivindicatórias aos presidenciáveis, apoiar a candidata oficialista à Presidência da República -- em mais um desrespeito flagrante à legislação eleitoral.


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A participação aberta de entidades sindicais na campanha eleitoral é apenas uma consequência do total atrelamento do sindicalismo ao Estado, consumado no governo do ex-sindicalista Lula. O peleguismo nascido do Estado Novo getulista e que pareceu definitivamente extinto com a renovação do movimento sindical ocorrida no ABC paulista -- conduzida pelo líder metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva -- voltou agora sob a forma aperfeiçoada do chamado neopeleguismo de cooptação. Explica bem esse fenômeno o cientista político Rubens Figueiredo que, em entrevista ao Estado (1.º/6), classificou o Brasil como um raro exemplo de país capitalista onde o sindicalismo está a favor do Estado.

Recorda Figueiredo que, durante o processo de redemocratização, os sindicatos representaram uma força importante de resistência da sociedade e estavam afastados do Estado. Com a ascensão do PT e de Lula ao poder, houve um processo de cooptação, principalmente, das Centrais Sindicais pelo Estado, que passou a destinar-lhes polpudas quantias de dinheiro. "Mesmo centrais que antes dificilmente se alinhavam, como a CUT e a Força Sindical, que lá atrás era chamada de pelega, hoje se alinham na defesa do governo. E, do ponto de vista de ocupação do Estado, há uma quantidade imensa de ex-sindicalistas e até de sindicalistas em atividade que fazem parte dos órgãos de direção do Estado", arremata o cientista político.

Estamos, pois, em plena "República sindicalista" -- não a sonhada por João Goulart nem a inspirada por ideologias, mas uma com motivações mais vulgares, argentárias e de compadrio. "Os quadros que o PT foi buscar para administrar o Brasil vieram dos sindicatos. E esses sindicatos ocupam hoje postos-chave, por exemplo, nos fundos de pensão, que são as instituições econômicas com maior liquidez no Brasil. Eles movimentam volume expressivo de dinheiro. Então, houve a ascensão do sindicalismo aos núcleos de decisão do Estado", analisa Rubens Figueiredo.

O problema do atrelamento do sindicalismo ao Estado é que um regime desse tipo, cujo exemplo clássico é o corporativismo fascista, bem cedo se torna incompatível com o Estado Democrático de Direito. E isso começa pelo desprezo às leis e à Justiça -- aquilo que o Paulinho da Força não se cansa de fazer.

  

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