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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

A caminho da baixeza
04/06/2010 - O Estado de S.Paulo

Uma briga de poder no comando da campanha da candidata Dilma Rousseff, a comprovada atração do PT pelo vale-tudo contra os adversários e uma declaração estabanada do oposicionista José Serra acabam de produzir um escândalo político sem lastro. O seu único efeito previsível a esta altura será o de degradar o que tem sido uma contenda relativamente civilizada entre eles numa sucessão de baixezas. É tudo o que o eleitorado não precisa para tomar uma decisão o quanto possível racional nas urnas de outubro.

Já basta o reiterado intento do presidente Lula de transformar a disputa num falso plebiscito entre o seu governo e o do antecessor Fernando Henrique; o uso dos recursos de poder do Executivo em favor da apadrinhada do seu titular; e o confinamento da campanha à simplória antinomia entre a "continuidade" e o "fazer mais", prometidos por dois presidenciáveis que, por enquanto, vêm se destacando pela falta de carisma -- matéria-prima da liderança política nas democracias de massa -- e a mesma propensão para tropeços de forma e conteúdo nas suas falas à imprensa.

O escândalo inaugural da temporada (não fossem escandalosas as recorrentes transgressões da legislação eleitoral da dupla Lula-Dilma) começou com uma reportagem da revista Veja sobre a alegada tentativa de uma das alas rivais envolvidas com a campanha da ex-ministra de montar um "grupo de inteligência". Os arapongas, além de bisbilhotar o outro lado de dentro do bunker dilmista situado na QI (quadra interna) 5, em Brasília, teriam preparado, ou iriam preparar, um dossiê contra Serra, com referências a atividades de sua filha Verônica.


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O chamado pivô da história seria um jornalista, Luiz Lanzetta, contratado pela direção da campanha para fornecer mão de obra na área de comunicação. Ele é amigo do ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel, por sua vez amigo de longa data de Dilma. Pimentel disputa espaço na coordenação da campanha com dois pesos pesados, o presidente petista José Eduardo Dutra e o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci -- este, uma espécie de delegado residente de Lula. Atribui-se a essa facção a iniciativa de expor o esquema, para abortá-lo.

Se o dossiê chegou a ser montado, não apareceu, salvo citações na internet, sem comprovação de autenticidade, como chega a ser rotina na blogosfera. Ainda assim, Serra se permitiu dizer que "a principal responsabilidade por esse novo dossiê é da candidata Dilma Rousseff. Disso eu não tenho dúvida". Inicialmente, quando abordado sobre o assunto numa visita à Associação Comercial de São Paulo, na quarta-feira, ele teve a sensata reação de dar tempo ao tempo: disse que preferia se manifestar no dia seguinte, à espera de uma manifestação do PT.

Instado mais uma vez, no entanto, disparou a acusação, dando a deixa para que tucanos e demistas investissem contra a candidata e a sua gente. "Vamos para a briga", prometeu o senador pernambucano Sérgio Guerra, do PSDB, coordenador da campanha serrista. Dilma retrucou que se tratava de uma "falsidade" e que não iria "bater boca sobre isso". O fato é que o passado condena o PT e é razoável supor que petistas desse ou daquele escalão e seus companheiros de viagem tenham querido partir para o jogo sujo.

A ameaça pode ter ficado na intenção, pode ter se concretizado à revelia de Dilma, pode ter sido repudiada por companheiros escaldados. Mas, à parte a imputação de Serra à candidata, sem provas, a sua percepção de que houve uma ameaça tem fundamento. Em 2006, no grotesco episódio dos aloprados, Hamilton Lacerda, um assessor direto do então candidato petista ao governo de São Paulo, Aloizio Mercadante, participou da frustrada compra de um dossiê antitucano. Na campanha presidencial de 2002, o petista Ricardo Berzoini se interessou por um dossiê sobre finanças da candidatura Serra.

"O PT tem uma longa tradição nessa matéria", lembrou o tucano. Mas vem de longe a prática de confeccionar e vender prontuários políticos, em que fatos, versões, insinuações e mentiras formam um mingau repulsivo. Está mais do que na hora de a palavra dossiê, ora para intimidar, ora para acusar, deixar de poluir as campanhas eleitorais brasileiras.

  

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