Etanol, petróleo e matriz energética 09/06/2010
- Marcos Sawaya Jank*
A nossa velha cana-de-açúcar converteu-se na planta cultivada mais extraordinária que se conhece hoje para produzir combustíveis e bioeletricidade de baixo carbono. Trata-se da nova cana-de-energia, que nasceu com o ousado Programa Nacional do Álcool (Proálcool) nos anos 70, o qual impôs a mistura de etanol na gasolina, a ampla distribuição do produto nos postos de combustível e os veículos movidos a álcool puro. Nos anos 90, com a queda do preço do petróleo, o programa quase morreu. Mas renasceu em 2003, pelas mãos da indústria automobilística brasileira. Desde então, o Brasil converteu-se no maior laboratório de desenvolvimento de motores bicombustíveis do planeta, atingindo em 2010 a marca dos 10 milhões de veículos flex nas ruas. No ano passado, o consumo de etanol superou o de gasolina.
Ao mesmo tempo, começamos a produzir eletricidade do bagaço e das palhadas da cana-de-açúcar. Trata-se de uma fabulosa energia de reserva limpa e renovável, disponível perto dos centros de consumo elétrico nacional. O mais interessante é que ela é altamente complementar às hidrelétricas, pois se encontra disponível nos meses de safra de abril a novembro, exatamente o período de menor pluviosidade, em que os rios e reservatórios de água estão baixos. No entanto, só 22% das usinas de cana do País exportam energia para a rede elétrica brasileira, gerando apenas 2% do nosso consumo anual. Temos mais de 13 mil MW médios de energia elétrica "adormecida" nos canaviais do Centro-Sul, o equivalente a três usinas de Belo Monte ou 14% das necessidades nacionais em 2020. Um imenso potencial que precisa ser despertado!
Neste momento estamos entrando na terceira fase da história do etanol, quando ele deixa de ser uma experiência isolada do Brasil e passa a ser adotado em mais de 30 países. Esta terceira fase nasce do esforço global de redução dos gases de efeito estufa, que causam o aquecimento do planeta. Após dois anos de pesquisas, a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) classificou o etanol de cana-de-açúcar como "biocombustível avançado", com 61% de redução comprovada nos gases de efeito estufa em relação à gasolina, um valor três vezes superior ao obtido pelo etanol de milho, que ficou com apenas 21% de redução.
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Este valor considera, em primeiro lugar, o balanço de emissões desde o plantio da cana até o escapamento dos automóveis. Considera também os chamados "efeitos do uso direto e indireto da terra". O risco de desmatamento direto pela expansão da cana não ocorre mais no País. Mas também foi mensurado o efeito indireto, que seria o associado ao risco de a cana poder estar "empurrando" outras atividades agropecuárias para novas áreas e assim provocar, indiretamente, o desmatamento.
Enquanto a cana é renovável - e, portanto, infinita - e grande redutora de emissões, o petróleo é cada vez mais escasso e o maior responsável pelo aquecimento global. Isso sem contar esse terrível acidente no Golfo do México, com um gêiser submarino jorrando descontroladamente, como no início da história do petróleo, e provocando danos bilionários, que levarão décadas para ser neutralizados.
O acidente ocorreu há 50 dias e até aqui ainda não há solução à vista. Mas já se sabe que o mundo petroleiro vai passar por uma profunda metamorfose. É certo que o custo para extrair petróleo de águas profundas vai aumentar expressivamente, em razão do aumento dos seguros e de regulações muito mais rígidas.
Além disso, os "efeitos do uso direto e indireto" das águas oceânicas também precisariam ser corretamente avaliados, especialmente quando há riscos desconhecidos na exploração de petróleo em regiões que chegam a 7 mil metros de profundidade.
O fato é que a era do petróleo barato, definitivamente, acabou! Hoje a alternativa é um petróleo caro, armazenado em reservatórios de custo e risco elevados, que vai terminar sendo atirado na atmosfera, aquecendo o planeta. Não seria muito mais simples e inteligente produzir o mesmo carbono a partir da energia infinita do Sol, da água das chuvas, da riqueza dos solos, por meio da fotossíntese das plantas cultivadas, reciclando o carbono da atmosfera?
Obviamente, isso tem de ser feito com alta tecnologia, via ganhos de produtividade que poupem ao máximo a necessidade de uso adicional de terra. Como fizemos no Brasil, onde substituímos mais de 50% da gasolina com apenas 1% de nossas terras aráveis.
Segunda à noite os três principais candidatos à Presidência da República compareceram à cerimônia de entrega do Prêmio Top Etanol 2010, evento organizado pelo Projeto Agora - Agroenergia e Meio Ambiente, hoje o maior programa de comunicação e marketing institucional do agronegócio brasileiro, envolvendo oito associações sucroenergéticas e oito grandes empresas. E foram unânimes em reconhecer que o Brasil tem a obrigação de desenvolver políticas estáveis e coerentes que garantam o crescimento da participação de energias renováveis, como os produtos da cana-de-açúcar, na energética brasileira. Foram sugeridas medidas diversas, como a uniformização do ICMS sobre o etanol em 12% em todo o território nacional, o mesmo nível hoje aplicado ao nosso diesel, que, aliás, ainda tem baixíssima qualidade ambiental.
Medidas como essa não podem ser classificadas como subsídios, mas como reconhecimento das externalidades econômicas, sociais e ambientais desta indústria para a sociedade: diversificação energética, redução de gases de efeito estufa, redução de gastos com saúde pública, geração de empregos, inovação tecnológica e interiorização do desenvolvimento. Uma alternativa renovável que colocou o nosso país na vanguarda do planeta no campo da substituição de petróleo e do combate às mudanças do clima. Já vivemos a era da tração animal, a era do carvão e agora estamos começando a sair da era do petróleo. A era da energia feita com carbono reciclado via fotossíntese faz muito mais sentido!
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*Marcos Sawaya Jank é presidente da União da Indústria de Cana de Açúcar - UNICA