Pressionado pela opinião pública, o Congresso Nacional aprovou a Lei da Ficha Limpa. O projeto não foi da iniciativa de deputado, senador ou do presidente da República, desinteressados diante do problema. Resultou de mobilização popular, concretizada mediante a coleta das assinaturas de mais de 1 milhão de eleitores, conforme prescreve o artigo 61, § 2.º, da Constituição.
Já o texto concluído, emenda de algibeira, introduzida na 25.ª hora, impediu o povo de se livrar de políticos corruptos, os quais disputarão as eleições deste ano, com chances de recondução que lhes garanta a impunidade.
O esforço de moralização não alcança, porém, setor nebuloso da vida nacional. Falo do movimento sindical, alvo de denúncias, com relação às quais o presidente da República procede à semelhança dos macaquinhos chineses: não ouve, não fala, não vê.
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Em 28 de agosto de 1970 o Diário do Congresso Nacional publicou relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) constituída para apurar denúncias de infiltração de organizações estrangeiras no sindicalismo nacional, formulada pelo Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do Petróleo da Guanabara e Rio de Janeiro. A CPI, cujos trabalhos foram abertos em setembro de 1967, teve como presidente o deputado Ney Ferreira e como relator o deputado Arlindo Kunzler. Prestaram depoimentos os ministros Arnaldo Sussekind e Ary Campista, ambos do Tribunal Superior do Trabalho; Jarbas Passarinho, ministro do Trabalho; o general Moacir Gaya, delegado regional do Trabalho de São Paulo; Herbert Backer, adido trabalhista da embaixada americana; representantes de entidades internacionais e expoentes do sindicalismo pelego.
Do Ministério do Trabalho foram requisitadas cópias do que havia apurado sobre as acusações de interferência estrangeira e do Banco Central, "extratos bancários de entidades e pessoas relacionadas com os objetivos da CPI".
As associações sindicais têm sido objeto de desejo de todos os governos, desde que Getúlio Vargas as converteu em instrumentos de controle das classes patronais e trabalhadoras. Após a 2.ª Guerra Mundial, ao longo da guerra fria, a União Soviética procurou utilizá-las, infiltrando-lhes agentes do Partido Comunista. Eliezer Pacheco, no livro O Partido Comunista Brasileiro - 1922/1964, relata como o velho Partidão, na década de 1950, abandonou a tática do isolamento - adotada pelo temor da convivência com dirigentes desonestos - para, aliando-se ao PTB, assumir a defesa da unicidade sindical, da manutenção do Imposto Sindical e da atuação dos sindicatos na esfera política.
Em 1964 o Alto Comando Revolucionário cassou os dirigentes sindicais comunistas e trabalhistas, substituindo-os por interventores nomeados, a exemplo de Joaquim dos Santos Andrade, o "Joaquinzão".
A CPI desnudou o sindicalismo sobrevivente a 1964, e o longo relatório oferece excelente panorama de como os dirigentes se deixavam seduzir por pagamentos e viagens custeadas por entidades internacionais obscuras.
Não é o caso, entretanto, de submeter à revisão as conclusões da CPI. Quem tiver a intenção de conhecê-las consultará o Diário do Congresso Nacional. Destaco duas outras recomendações finais: 1) A proibição de atividades políticas, no Brasil, por entidades estrangeiras; e 2) que se procedesse à radical mudança do sistema sindical, "com vistas à maior participação do operário brasileiro nas atividades e benefícios do seu sindicato".
Decorridos 40 anos, desde que a Câmara dos Deputados investigou os porões do sindicalismo, qual o panorama? Parte da resposta encontra-se em matérias publicadas no jornal O Estado de S. Paulo sobre a transformação do movimento operário em comércio lucrativo, em que a moeda de troca é a fundação de associações fantasmas e são frequentes violentas disputas de territórios.
Que a Constituição federal de 1988 converteu o sindicalismo em empresa lucrativa e sem riscos, isso nem os mais cínicos dos dirigentes conseguem negar. Anteriormente, as entidades congregavam pequena quantidade de associados e sobreviviam graças ao Imposto Sindical. Sobre a baixa representatividade, concluiu a CPI: "O levantamento efetuado comprovou que apenas 20% dos operários são sindicalizados, concluindo-se daí que 20% são mantidos por 100%." Atualmente, a média talvez não chegue a 15%, mas os diretores têm excelente padrão de vida, sustentado com bilhões de reais arrecadados pela Contribuição Sindical e variada cesta de cotas cobradas, à força, de trabalhadores que exercem a garantia constitucional de não se associar.
Àqueles que se surpreendem com a notícia de que as centrais sindicais combaterão a candidatura de José Serra à Presidência da República, lembro que jamais as organizações sindicais assumiram posição ostensiva e firme contra o governo. Durante o regime militar aliaram-se à Arena e repudiaram o MDB.
O saneamento da vida pública pode se iniciar com a Lei da Ficha Limpa. A depuração da vida sindical, com o fim da Contribuição Sindical e de arrecadações que não tenham a marca da voluntariedade.
O presidente Lula, à época em que dirigia o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, combatia o peleguismo. Hoje a postura é outra. Em vez de combatê-lo, passou a subsidiá-lo.
Sugiro aos historiadores do movimento sindical que examinem o relatório daquela CPI. A conclusão será melancólica. Em 40 anos a estrutura sindical piorou e a partir da Constituição de 1988 ficou a salvo de controle, em nome de hipotética liberdade sindical, convertida em libertinagem.
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*Almir Pazzianotto Pinto é advogado, ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho