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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

Sem medo do baixo carbono
16/06/2010 - André Meloni Nassar - O Estado de S.Paulo

Amanhã, 17 de junho, será divulgado oficialmente o Estudo de Baixo Carbono para o Brasil, coordenado pelo Banco Mundial e que contou com a participação da equipe do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone) no tema de uso de solo para agropecuária e florestas.

Embora não tenha sido essa sua intenção primordial, o estudo traz uma mensagem de grande interesse político para o setor agropecuário e florestal, sobretudo em tempos de negociação de reforma do Código Florestal.

Para que essa mensagem não passe despercebida nas quase 300 páginas do documento, e dado que ela é um efeito colateral ocasional do estudo, achei conveniente chamar a atenção para ele neste artigo. Espero que o setor não deixe passar em branco tão valiosa informação.


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O estudo calcula investimento e custo totais e por tonelada de carbono evitado de duas ações-chave, para entender a expansão do setor agrícola e florestal no Brasil e suas implicações na mudança do uso do solo.

A primeira é a intensificação do uso de pastagens pela pecuária bovina. A segunda é o restauro florestal necessário para eliminar o passivo de reserva legal, de acordo com o Código Florestal vigente.

A conclusão fundamental -- e é aqui que reside a informação estratégica para o setor agropecuário e florestal -- é que não existem incentivos econômicos para que essas ações sejam levadas a efeito apenas pelas forças de mercado, a despeito de seus enormes benefícios, decorrentes da redução das emissões de gases de efeito estufa.

Em outras palavras, o tão sonhado desmatamento zero e a eliminação do passivo florestal pleiteados por setores do governo federal só ocorrerão com subsídio governamental. Pleitear esse subsídio, portanto, pode ser mais interessante para o setor produtivo do que mudar a regra do jogo.

Dito de outra forma, a não-reforma do Código Florestal implica -- lembrando que o assunto está em debate no Congresso Nacional --, obrigatoriamente, um compromisso do Estado brasileiro de financiar a adequação dos produtores.

O conceito central do estudo foi comparar dois cenários. Primeiro, um cenário de referência no qual os diversos setores emissores de gases de efeito estufa são projetados a partir de 2008 até 2030 sem a imposição de políticas ou exigências que levassem os agentes econômicos a adotar tecnologias ou práticas produtivas de baixo carbono.

Segundo, um cenário de baixo carbono que teve como objetivo central reduzir substancialmente as emissões projetadas de gases estufa para o mesmo período de tempo.

No cenário de referência, a expansão do setor agropecuário e florestal foi projetada sem nenhuma restrição de disponibilidade de terra.

A expansão da produção de carne bovina foi acompanhada, da mesma forma como vinha ocorrendo no passado -- embora com ganhos de produtividade --, do aumento no rebanho e da expansão das pastagens nas áreas de fronteira.

Projetou-se uma expansão adicional em área de 19 milhões de hectares de 2008 a 2030, chegando a 276 milhões de hectares alocados para as principais lavouras anuais, cana-de-açúcar, florestas comerciais e pastagens.

Tendo em vista que as demais atividades crescerão em área e que a área com pastagens se manterá constante (de 205 milhões ha em 2008 para 207 em 2030), houve conversão de vegetação nativa em uso produtivo.

O rebanho bovino sai de 201 milhões de cabeças hoje para 234 milhões em 2030, gerando uma produção de carne que evolui de 9,7 milhões de toneladas para 13,1 milhões e uma produção de leite que cresce de 30 bilhões de litros para 56 bilhões.

No cenário de baixo carbono foram impostas duas restrições: em relação à disponibilidade de terra, ou seja, toda a demanda adicional por terra (para agricultura, florestas comerciais e restauro florestal) deveria ocorrer sem avanço da fronteira; na demanda por carne e leite, que não deveria cair, porque, se caísse, a menor emissão de gases estufa geraria perda de bem-estar para o consumidor. Este cenário resultou numa redução de 70 milhões de ha na área de pastagem em 2030, comparando o cenário de referência. Essa redução foi definida a partir da demanda adicional por terra para lavouras e florestas comerciais e mais 44 milhões de restauro florestal, área estimada para se eliminar, até 2030, o passivo corrente estimado de reserva legal.

Conforme mencionado, a redução na área de pastagens precisa ser feita sem prejuízo na demanda de carne e leite. Para isso foi otimizado um rebanho que se manteria no nível de 200 milhões de cabeças, mas passaria por uma verdadeira revolução tecnológica. De um rebanho predominantemente alocado em sistemas de ciclo completo e produção extensiva a pasto se chega, em 2030, a um rebanho com predominância de sistemas especializados de cria e recria a pasto com suplementação e terminação em confinamentos ou em sistemas de integração com a lavoura.

Para chegar a essa pecuária tecnificada foi estimado investimento até 2030 de US$ 240 bilhões. Considerando que o restauro também requer investimentos, somam-se a esse montante mais US$ 54 bilhões. Esse investimento acarretaria uma mitigação acumulada da ordem de 6 bilhões e 1 bilhão de tCO2e, pela redução do desmatamento e intensificação da pecuária e pelo restauro florestal. Utilizando taxas de mercado para remuneração do capital, o estudo estimou que um carbono precificado em US$ 1,47 tCO2e seria suficiente para estimular os agentes privados a investir na intensificação da pecuária. O valor não é muito alto porque uma pecuária de maior produtividade remunera melhor o capital investido.

O restauro florestal, no entanto, requer um preço de carbono de US$ 50 tCO2e. No caso da pecuária, um bom programa de crédito, aliado ao mercado voluntário de carbono, pode ser suficiente para alavancar a intensificação. Já no caso da recuperação de reserva legal, só mesmo com política pública, porque não existe mercado para carbono precificado em US$ 50 tCO2e.

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André Meloni Nassar é diretor-geral do Icone. E-mail: amnassar@iconebrasil.org.br

  

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