As absurdas cotas na TV paga 26/06/2010
- O Estado de S.Paulo
A TV por assinatura no Brasil necessita de nova regulamentação legal. Em primeiro lugar, para unificar a legislação do setor, pois hoje vigoram leis diferentes e conflitantes para cada uma das três modalidades de TV paga: uma lei para a TV a cabo, outra para a TV via satélite e uma terceira para a TV via rádio (UHF e MMDS). Em segundo lugar, para ampliar a competição no setor.
Foi com esses dois objetivos principais que o Congresso começou a discutir há três anos o Projeto de Lei 29/2007 (PL 29). Mas, como tem ocorrido em outras ocasiões, parlamentares apresentaram emendas totalmente estranhas ao objeto central da lei - os penduricalhos.
A mais polêmica dessas emendas, do deputado Jorge Bittar (PT-RJ), propõe a fixação de cotas para filmes e documentários brasileiros, a serem inseridos obrigatoriamente nos canais a cabo dublados ou legendados em português, com o propósito de proteger a produção e distribuição de conteúdos nacionais de cinema e TV. E pior de tudo foi que o PT e os partidos da base parlamentar do governo fecharam questão: ou se aprovam as cotas ou não haverá nova lei de TV por assinatura.
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A Câmara dos Deputados consumiu três anos discutindo o assunto, até que, recentemente, a oposição aceitou a inclusão das cotas, com pequenas mudanças, para romper o impasse que impedia o aprimoramento da caótica legislação em vigor.
Assim, a Câmara aprovou o PL 29, com a emenda que concretiza intolerável interferência estatal no conteúdo da programação da TV paga.
A nova reserva de mercado é mais uma violência contra o usuário, aquele cidadão que, ao longo das últimas décadas, tem pago a conta de todas as formas de protecionismo e de cotas. O exemplo mais triste desse espírito protecionista, todos se lembram, foi decorrente da antiga Lei de Informática, que instituiu a reserva de mercado para computadores e periféricos por mais de 15 anos, impondo ao País produtos caros, defasados e de qualidade medíocre, até 1992. E tudo era justificado em nome da soberania nacional e da emancipação tecnológica do País. O resultado foram quase 20 anos de atraso tecnológico.
Como observou o jornalista Ethevaldo Siqueira, em sua coluna no Estado (13/06), há formas mais eficazes de apoiar a indústria e os produtores nacionais de cinema e TV do que a imposição de cotas. Entre as alternativas estão os estímulos, os incentivos, o fomento e a desoneração de impostos.
Para assegurar mercado à produção nacional de filmes e documentários, o único critério deveria ser o da qualidade. Essa é a questão fundamental de qualquer produção artística ou intelectual.
Ao aprovar o projeto, os deputados ignoram diferenças lógicas entre os dois modelos principais de TV no País. Enquanto a TV aberta alcança quase 100% dos domicílios brasileiros, com recepção gratuita, a TV por assinatura - seja via cabo, via satélite ou via rádio - não ultrapassa 12% das residências. A grande diferença da TV por assinatura reside no fato de o assinante pagar pelo que quer ver, pelo gênero que lhe agrada e com os padrões de qualidade que deseja.
Por isso, é absurda a interferência no direito de escolha do assinante da TV paga. E mais: nesse universo da comunicação, a liberdade do usuário não pode ser objeto de tutela e de restrições da lei nem estar condicionada a critérios de governo ou a razões político-ideológicas.
Vale lembrar também que há canais de sobra para acolher a produção nacional, visto que, além da TV aberta, a TV por assinatura transporta gratuitamente mais de uma dúzia de canais públicos, estatais e educativos, além de um canal exclusivo de produções brasileiras - o Canal Brasil -, que podem dar espaço mais do que suficiente para toda a produção nacional de filmes e documentários.
O sistema de cotas não é, definitivamente, o caminho adequado para apoiar a indústria de cinema e TV. E a prova disso é que, sem qualquer protecionismo, o Brasil tem produzido e exportado conteúdos de qualidade, como as telenovelas.