O CNJ e os precatórios 05/07/2010
- O Estado de S.Paulo
Apesar da entrada em vigor da Emenda Constitucional 62, que desde dezembro do ano passado estabeleceu regras mais objetivas -- mas nem por isso justas -- para pagamento dos precatórios, como são conhecidas as dívidas e obrigações do poder público reconhecidas oficialmente pela Justiça, alguns Estados e municípios continuaram atrasando os depósitos, o que levou advogados de vários credores a recorrer à medida extrema prevista pela Constituição, requerendo intervenção federal por descumprimento de decisões do Judiciário.
Para poupar de mais problemas os milhares de cidadãos e empresas que legitimamente esperam há anos dispor do dinheiro a que têm direito, por determinação judicial, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu instituir um Cadastro de Entidades Devedoras Inadimplentes e criar um comitê gestor, integrado por um juiz estadual, um juiz federal e um juiz trabalhista, para auxiliar os presidentes de tribunais no controle dos pagamentos.
A iniciativa foi tomada pelo conselheiro Ives Gandra da Silva Martins Filho, que também é ministro do Tribunal Superior do Trabalho, e se baseia na Emenda 62. Ela determina que a União, os Estados e os municípios reservem uma parcela de sua receita corrente líquida para o pagamento de dívidas judiciais, destinando no mínimo 50% do valor para quitação dos precatórios por ordem cronológica e até 50% para negociação com o credor ou por leilão ou venda a terceiros. A lista de credores inclui os detentores de créditos alimentícios -- ou seja, cidadãos que têm direito a receber dos cofres públicos diferenças salariais, aposentadorias e pensões atrasadas. A lista inclui ainda cidadãos e empresas que contestaram com sucesso, na Justiça, os valores das indenizações geradas por desapropriações de imóveis.
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A Emenda Constitucional 62 também transferiu para os tribunais a responsabilidade de controlar os pagamentos dos precatórios. Entre outras sanções, os órgãos públicos inadimplentes ficam proibidos de receber repasses regulares ou extraordinários do governo federal. Além de ter criado um registro nacional dos órgãos públicos caloteiros, que não cumprem sistematicamente as determinações judiciais, a resolução que o CNJ baixou, cumprindo seu papel fiscalizador, padroniza os formulários para expedição de precatórios em todo o País. E, para organizar de forma mais eficiente, racional e objetiva as listas de pagadores, a resolução do CNJ também estabeleceu critérios e medidas práticas para a formalização de convênios entre tribunais e entidades públicas.
Embora a parcela mínima da receita corrente líquida para pagamento de dívidas judiciais prevista pela Emenda Constitucional 62 seja muito baixa, os prazos tenham sido estendidos ainda mais e os governos tenham sido beneficiados pelo dispositivo que lhes permite fazer leilões para dar prioridade a quem aceite quitar seus créditos com grande desconto, rompendo com isso a ordem de apresentação dos precatórios, ainda assim alguns Estados e municípios vinham postergando os depósitos sob a justificativa de que aquele texto constitucional ainda não havia sido regulamentado.
Era muita desfaçatez, reconheceram os integrantes do CNJ. "Agora não tem mais como o poder público deixar de fazer o pagamento por falta de regulamentação da matéria", diz o conselheiro e ministro Martins Filho. E, como prefeitos e governadores chegaram a cogitar de arguir a inconstitucionalidade da resolução, antes de baixá-la o órgão encarregado de zelar pelo controle externo do Poder Judiciário criou um grupo de trabalho para submeter cada um de seus dispositivos a uma minuciosa avaliação técnico-jurídica. A resolução tem 46 artigos. Mas, como diz o conselheiro Jefferson Kravchychyn, "uma resolução mais enxuta não traria a resposta que é exigida pelos advogados, pelos tribunais e pelos jurisdicionados".
Não fosse a iniciativa do CNJ, os credores de precatórios, que já haviam sido prejudicados pela Emenda Constitucional 62, continuariam sendo vítimas do calote de prefeitos e governadores.