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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

Bom negócio para o ditador
07/07/2010 - O Estado de S.Paulo

"Negócios são negócios", disse o chanceler Celso Amorim para justificar a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao ditador Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, presidente da Guiné Equatorial há 31 anos. Esse longo período, iniciado com um golpe contra seu tio, Francisco Macías Nguema, foi para ele uma fase de grande prosperidade pessoal -- de excelentes negócios, portanto. Tornou-se o oitavo governante mais rico do mundo, segundo a revista Forbes, graças a métodos não recomendados pelas escolas de administração: violência contra os opositores -- incluindo o assassínio --, corrupção e estrito controle da vida política de seu país.

O presidente Lula incluiu nos negócios com seu novo amigo o apoio à inclusão da Guiné Equatorial na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). O comunicado conjunto emitido no final da visita menciona a satisfação do presidente Obiang por esse apoio. Os países da comunidade nada ganharão com o ingresso desse novo sócio. Mas uma ditadura conhecida por sua violência e pela corrupção ganhará mais um foro para se manifestar e mais espaço na cena internacional,

Não se fala português na Guiné Equatorial, mas a diplomacia brasileira não se deixou impressionar por esse detalhe. Apesar de tudo, a língua portuguesa é um dos idiomas oficiais do país, por ato assinado em 2007 pelo ditador. Os portugueses chegaram à região em 1470. Logo depois apareceram espanhóis e ingleses. O controle ficou para a Espanha entre 1778 e 1968, ano da independência.


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A Guiné Equatorial já exporta petróleo para o Brasil e empresários brasileiros poderão participar de seus programas de obras. Essas transações correspondem ao sentido mais comum da palavra negócio. Será necessário muito mais que o interesse material para estimular o comércio e o investimento? Certamente não, mas o presidente brasileiro deve pensar o contrário.

Além de usar a CPLP para facilitar seus "negócios" com o ditador da Guiné Equatorial, o presidente Lula emprestou seu nome a uma declaração com a seguinte preciosidade: "Os dois chefes de Estado reconheceram a importância da democracia para o desenvolvimento e renovaram sua continuada adesão aos princípios da democracia, ao respeito aos direitos humanos, ao Estado de Direito e à boa governabilidade política e econômica no marco da formulação de suas políticas nacionais de desenvolvimento." Também isso é parte dos negócios?

Nenhum jornalista pôde formular essa ou qualquer outra pergunta quando foi apresentado o comunicado conjunto. Lula e seu novo amigo, sentados lado a lado, ouviram um funcionário africano ler a declaração. Repórteres apenas assistiram à cerimônia, mas puderam conversar com o chanceler brasileiro, "Não estamos ajudando nem promovendo ditadura", disse o ministro, classificando como "pregação moralista" as críticas à aproximação com o ditador.

Não é o que os fatos mostram nem o que está no comunicado, no qual o governo brasileiro se dispõe a promover os interesses políticos de uma ditadura e a dar respeitabilidade a um governante conhecido por seu desprezo à democracia. Além de assumir o compromisso em relação à CPLP, convertida em objeto de "negócios", o presidente Lula avalizou uma declaração do ditador Obiang a favor da democracia, do respeito aos direitos humanos e do Estado de Direito.

"Quem resolve o problema de cada país é o povo de cada país", acrescentou o ministro. Também essas palavras os fatos desmentem. Brasília interveio nos assuntos internos de Honduras, abrigando em sua embaixada um ex-presidente introduzido ilegalmente no país e permitindo-lhe atuar na política durante quase cinco meses. Pode-se discutir se a deposição de Zelaya foi ou não um golpe, embora determinada pelo Congresso e pela Corte Suprema. Há justificativas legais para os dois lados. Mas sobre a interferência brasileira não há dúvida. Quanto ao povo hondurenho, elegeu no fim do ano passado um novo governo, que o Itamaraty não reconhece enquanto o presidente deposto não for reintegrado à vida política nacional. Não se vê perspectiva semelhante para o povo da Guiné Equatorial nem para os povos comandados por outros ditadores amigos do presidente Lula.

  

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