Espírito comunitário 10/08/2010
- O Estado de S.Paulo
Uma das coisas mais admiráveis dos Estados Unidos é o senso comunitário de um bom número de seus empresários mais ricos e sua disposição de doar grandes somas para instituições beneficentes, universidades, museus, fundações socioculturais ou de pesquisa científica.
A despeito das sequelas da crise econômica de 2008/2009, essa tradição continua viva, como mostra a divulgação da lista de 40 bilionários que se comprometeram a doar metade, pelo menos, de seu patrimônio por meio da organização Giving Pledge.
A iniciativa de convocá-los foi de Bill Gates, cofundador da Microsoft, e de Warren Buffett, presidente da Berkshire Hathaway, que estão nos primeiros lugares entre os homens mais ricos do mundo e se destacam também como grandes filantropos.
PUBLICIDADE
Alguns bilionários assumiram compromisso com a Giving Pledge, mas preferiram permanecer anônimos. Mas Larry Ellison, da Oracle, acabou revelando a sua doação para dar um exemplo e influenciar outras pessoas ricas, apelando para sua generosidade, de acordo com um espírito caracteristicamente americano.
Não que outros países, inclusive o Brasil, não tenham seus filantropos, seus mecenas e empresários empenhados em contribuir para sanar males sociais e promover a educação e a cultura. Nos EUA, porém, seja por motivos éticos ou sociológicos, o gesto é muito mais comum e reflete um tipo de mentalidade raramente encontrada fora de suas fronteiras.
Há consciência da importância de criar um ambiente propício à realização pessoal. E há a noção difundida de quanto isso depende do desprendimento dos cidadãos, em especial daqueles mais bem aquinhoados pela fortuna. Como disse Michael Bloomberg, prefeito de Nova York, cujo patrimônio particular é estimado em US$ 18 bilhões, "sempre achei que os filhos podem se beneficiar mais da filantropia dos pais do que de seu testamento".
Certamente, a acumulação de grandes riquezas na maior economia do mundo favorece as doações para fins beneficentes. Gates e sua mulher Melinda possuem um patrimônio estimado em US$ 33 bilhões, já tendo transferido US$ 22,93 bilhões desde 1994 para a fundação que leva o nome do casal. Buffet se comprometeu a doar 99% de seus bens. Sua carteira de investimentos é avaliada em US$ 46 bilhões.
É verdade que, mesmo se desfazendo de bilhões, resta ainda muito dinheiro para os grandes doadores e seus herdeiros. Mas não se pode deixar de levar em conta alguns fundamentos do capitalismo americano que o diferenciam do sistema em vigor em outras partes do mundo. Em países com impostos muito pesados sobre grandes fortunas, não há estímulo para a filantropia. Isso porque há uma transferência para o Estado de serviços sociais que, em grande parte, a própria comunidade pode voluntariamente prestar. E que presta, com bastante eficiência, nos EUA. De outro lado, as doações para instituições reconhecidas, sem fins lucrativos, são dedutíveis das declarações de impostos federais.
O ato de doar costuma também ter um caráter de retribuição, como se verifica no campo da educação. Os mais ricos ex-alunos ou suas associações contribuem regularmente para a manutenção e melhoria das universidades onde se graduaram. Em alguns casos, as contribuições de ex-alunos representam a metade dos orçamentos das instituições de ensino superior. São esses recursos que permitem às universidades conceder bolsas de estudo para estudantes americanos e estrangeiros, com base no mérito. Como as universidades são pagas - e custam caro - este esquema permite que jovens mais promissores estudem nelas, constituindo um importante fator para a igualdade de oportunidades.
Tudo isso está intimamente relacionado com o espírito de empreendedorismo existente nos EUA. A competição com vistas à obtenção de maiores lucros por empresas e indivíduos, como é da essência do capitalismo, e as iniciativas filantrópicas não se contradizem. São as duas faces de uma mesma moeda. É o que os brasileiros ainda precisam aprender.