A indexação dos salários da Justiça 20/08/2010
- O Estado de S.Paulo
O brasileiro comum, sujeito à vida insegura, ao trabalho duro e ao imposto pesado sem o correspondente serviço público, está de novo em sério perigo. Desta vez, o sinal de alerta aponta para muito alto - para o topo do Poder Judiciário e para o Ministério Público Federal. O contribuinte comum, esfolado até na compra de alimentos e remédios, poderá ser forçado a sustentar, com seus tributos, condições muito especiais - ainda mais que as de hoje - para os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), para os membros da Procuradoria-Geral da República e, por extensão, para todos os funcionários capazes de cavar os mesmos benefícios com base no critério da isonomia. A ameaça está contida em dois projetos de lei enviados ao Congresso nos últimos dias. Entre outros pontos perigosos para as contas públicas, para a economia brasileira e para quem ganha a vida com trabalho está a proposta de indexação de vencimentos de várias excelências - um mimo indisponível para o resto dos brasileiros.
Um dos projetos é assinado pelo presidente do STF, ministro Cezar Peluso. O outro, pelo procurador-geral da República, Roberto Monteiro Gurgel Santos. Os dois textos propõem o mesmo vencimento, R$ 30.678,48, a partir de 1.º de janeiro de 2011, para a cúpula do Judiciário e para o chefe da Procuradoria-Geral. Um dos efeitos desse aumento será a elevação do teto salarial de todo o funcionalismo. Nenhuma lei determina o pagamento do teto, mas essa tem sido a tendência da administração pública, até com apoio do Judiciário. Essa tendência independe da qualidade e da quantidade dos serviços públicos.
Mas esse aumento, embora chocante para muitas pessoas, não é o ponto mais grave. Nos dois projetos, aqueles vencimentos, a partir de 2012, serão fixados com base em autorização da Lei de Diretrizes Orçamentárias e nos limites de dotações do Orçamento-Geral da União e seu valor será publicado, antes do começo de cada exercício, pelo procurador-geral e pelo presidente do STF. A prática em vigor, no entanto, exige a fixação dos valores daqueles vencimentos por meio de leis específicas, votadas pelos congressistas. A legislação orçamentária autoriza verbas e fixa tetos, mas a determinação dos valores só ocorre por meio de outro ato legislativo. Segundo os autores dos projetos, o objetivo é "tornar o processo legislativo mais célere". A celeridade, nesse caso, subtrairá uma prerrogativa do Parlamento.
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Mas as duas propostas são ainda mais ambiciosas. A partir de 2015, os subsídios mensais dos ministros do STF e do procurador-geral da República serão fixados, a cada quatro anos, por lei de iniciativa dos chefes de cada uma dessas entidades. Assumirão, portanto, uma nova função e um novo poder. Além disso, os projetos têm como objetivo a recuperação do poder aquisitivo - ou, em outras palavras, serão corrigidos com base num índice de preços. Os trabalhadores comuns não têm direito a essa garantia, porque a maior parte das indexações foi abolida pela legislação do Plano Real. Com isso foi erradicado um dos mais perigosos fatores de inflação e é preciso evitar um retrocesso.
Alguns preços continuaram indexados para segurança de contratos de longo prazo e para facilitar a privatização de serviços de utilidade pública. Mas também esses critérios ficaram sujeitos a condições e alguns têm sido revistos. A irredutibilidade de salários garantida pela Constituição refere-se, de acordo com qualquer interpretação sensata, a valores nominais. A reposição do poder de compra tem sido negociada entre empregados e empregadores, assim como os aumentos acima da inflação. Esses trabalhadores são sujeitos às mudanças do mercado e às oscilações da economia. Apesar disso, eles pagam muito mais que o razoável para sustentar a máquina pública, onde se alojam as excelências do Ministério Público, do Judiciário e tantas outras.
Os dois projetos têm o mesmo número de artigos e seus textos só diferem quando há referências ao STF e à Procuradoria-Geral da República. Será essa mais uma coincidência extraordinária, quase sobrenatural, ou terão resultado as duas propostas de uma combinação? Seria interessante se os signatários dos dois textos explicassem o detalhe.