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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

Decisões contraditórias
05/09/2010 - O Estado de S.Paulo

No mesmo dia em que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou um projeto que aumenta o rigor da punição dos autores de crimes hediondos, dentre os quais se insere o tráfico de drogas, o Supremo Tribunal Federal (STF) agiu de forma diametralmente oposta. Por 6 votos contra 4, a Corte concedeu a traficantes o direito a penas alternativas, que são muito mais brandas do que as de prisão cumpridas em penitenciária de segurança máxima, como determina a Lei de Drogas.

Essas decisões mostram que o Brasil não tem uma política uniforme e coerente de combate a esse tipo de crime. A Lei de Drogas foi aprovada em 2006 para deter o avanço do crime organizado, criar um sistema nacional de combate ao narcotráfico e formular políticas públicas para a reinserção social dos dependentes de entorpecentes. Na época, ela recebeu elogios de criminalistas, sociólogos e terapeutas.

No entanto, ao julgar um pedido de habeas corpus de um traficante gaúcho, condenado a dois anos de prisão por portar 14 gramas de cocaína que pretendia vender a viciados, o STF considerou inconstitucional o dispositivo da Lei de Drogas que proíbe a aplicação de penas alternativas a quem for condenado por crime hediondo, como é o caso do tráfico. A lei impõe a pena de prisão a todos os traficantes, grandes e pequenos.


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A corrente vencedora justificou a decisão com base nos princípios da "individualização" e "humanização da pena", que permitem aos juízes criminais levar em conta as especificidades de cada caso e as peculiares de cada réu. "O princípio da individualização significa o reconhecimento de que cada ser humano é um microcosmo", disse o vice-presidente do STF, Ayres Britto. Alguns ministros também afirmaram que, ao ampliar o rigor das punições a traficantes e proibir a concessão de penas alternativas, o Congresso teria exorbitado de sua função legislativa. Segundo eles, os parlamentares tentaram "substituir-se ao próprio magistrado no desempenho da atividade jurisdicional". Os congressistas não poderiam substituir os juízes na apreciação de cada caso, disse o ministro Celso de Mello.

A corrente derrotada alegou que o Supremo não poderia mudar o tratamento punitivo previsto por lei especialmente aprovada pelo Legislativo com o objetivo de reduzir a escalada do crime. Os defensores dessa tese advertiram para o risco de se colocar os pequenos traficantes em creches, escolas, hospitais e repartições públicas para prestar serviços comunitários. A seu ver, esse tratamento aos pequenos traficantes estimulará o crime organizado a explorá-los ainda mais.

Um estudo feito com base em estatísticas do IBGE e em dados extraídos do perfil socioeconômico da população carcerária dá uma ideia do alcance da decisão do Supremo. A pesquisa, que chegou a ser citada expressamente por alguns ministros durante o julgamento, revela que, das 69.049 pessoas que foram condenadas por tráfico em 2008, 80% eram pequenos traficantes. Isso significa que, a partir da publicação da decisão do STF, cerca de 55 mil traficantes poderão pleitear a substituição da pena privativa de liberdade por penas alternativas.

No Senado, a Comissão de Constituição e Justiça adota uma posição oposta à do Supremo. Lembrando que a função do Legislativo é fazer leis e a da Justiça é aplicá-las, os senadores querem restringir ainda mais os benefícios que os juízes podem conceder a quem cumpre pena por crime hediondo. "Sou completamente a favor da proposta. Ela faz um bem enorme à sociedade e dá mais poder de controle ao Estado, uma vez que os crimes hediondos são crimes graves", diz o relator do projeto, senador Demóstenes Torres, que é promotor de Justiça.

Nos órgãos policiais e no Ministério Público, a decisão do STF foi mal recebida e a da CCJ do Senado, elogiada. A reação dos juízes, como era previsível, foi diferente. Assim, enquanto um Poder vota medidas para proteger a sociedade contra a escalada do crime e outro trata os criminosos de modo mais brando, a pretexto de "humanizar" as penas, o País retrocede em matéria de segurança pública.

  

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